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Quem se reconhece?

Em vidas pautadas pela tecnologia e embaladas pelas redes sociais, bailam movimentos estéticos em rota certeira de colisão, que só não colidem, porque no percurso encontram seu alvo, nós, mulheres. Poderíamos atribuir esse antagonismo estético a alguma imprecisão na coleta dos dados, mas é provável que o único dado levado em conta para a entrega de conteúdos seja o “feminino”, reforçando a importância do “prefiro não declarar”. De um lado anúncio de perfis patrocinados de harmonização facial (ou seria demonização facial?), preenchimento labial, lente de contato para os dentes (eles tem problema de visão?), extensão de cílios que fazem sombra para as bochechas, tutoriais de maquiagem que prometem nos deixar com 10 anos a menos. Seria bom ter 10 anos a menos? De outro, vem, menos impulsionado e bem mais orgânico, o movimento para nos aceitarmos como somos. Liberar a pancinha, naturalizar as ruguinhas, desmistificar a idade máxima para uso de mini saia, entender que não há nada mais femin...

Se mexe e vai comprar um presente para sua mãe

  Esse texto é pra você que acordou hoje, sábado, véspera do dia das mães, se lembrou que tem uma e está aí pensando se precisa enfrentar um shopping lotado para gastar seu suado dinheirinho. Lamento informar, mas sim, precisa. Por mais que sua mãe diga que você é o maior presente, ela também é fruto dessa sociedade de consumo doida e merecedora de uma coisa comprada com vil metal.   Pra te ajudar nessa empreitada estou eu aqui com informações importantes: 1)     A sua mãe não é mãe da sua “conja” logo o presente dela é problema seu. 2)     Por mais que a mãe dos seus filhos não seja sua mãe, se seus filhos são menores de idade, lamento, a responsabilidade financeira de comprar o presente é sua, e confia em mim que é melhor desembolsar um dinheiro para os pequenos gastarem, do que gerar um trauma e ter que dividir a conta da psicóloga. 3)     O presente é pra sua mãe, não é pra você, então dê algo que ela queira, não algo que ...

Não negue a existência do coelhinho da páscoa

Semanas que precedem a páscoa, a pequena entra no carro na saída da escola e começa a entoar uma música que desconheço, mas que logo percebo que louva algum deus. Um alerta acendeu na minha mente, foram meses buscando uma escola laica, o que diabos estamos cantarolando? Sem querer parecer um sensor pergunto: E essa música? Onde tu ouviu? e a resposta vem: “A Profe colocou na hora do lanche”. A música na hora do lanche eu já conhecia como sendo uma prática na escola, mas nunca tinha surgido uma canção de teor religioso. Pensei, talvez a escola seja tão laica quanto o estado brasileiro. Quase em um desabafo comentei: Não acho esse tipo de música que fala de deus boa para hora do lanche! No outro dia na hora de ir pra escola a pequena olha pra mim com cara de desafio e diz: Vou contar pra Prof que tu não gosto de música de deus. Eu, trabalhada no ateísmo que cultivo há mais de 40 anos, digo que não tem problema.  Quando fui buscá-la na saída do colégio ela prontamente me disse: Contei...

Mistura Imiscível

  Tenho me pegado pensando: o que será de nós?   Nós no sentido de humanidade. Ando cada dia mais desencantada com esse grupo, ainda que a minha bolha social me dê conforto e esperança. É uma ida ao supermercado para me deparar com comentários obtusos e preços exorbitantes. É olhar uma notícia com o old man que trocou o pó de arroz pelo pó de cheetos que dá um nó na garganta. É pensar nas próximas eleições e dá vontade de respirar no saquinho de papel pra não hiperventilar. Tudo que vemos surgir, não embala, não encanta ou dá um medo danado. Felipe Neto anunciou sua pré candidatura à presidência, há quem diga que foi pra sentir a febre da galera em relação a possibilidade.   E se a febre for boa e se tornar uma alternativa? Gente, o cara do youtube que já andou por caminhos tortos, se redimiu na luta anti fascista, é sinônimo de esperança? Há quem tenha rido da notícia, há quem tenha dito que o sucesso subiu à cabeça e, provavelmente, há quem tenha achado uma boa soluçã...

Dia Mundial da Poesia

Hoje é o dia mundial da poesia. Já parou pra pensar o que seria do mundo sem poesia? Não teria música, colorido, embalo, movimento. As lágrimas seriam presas, as dores amarradas, os amores contidos e as doenças ampliadas. A tristeza aprisionada, sem poder transbordar pelas palavras de alguém. Para onde iria a graciosidade do mundo? E a indignação com balanço? Confesso que por muito tempo invejei os poetas, a leveza, a sutileza que impacta e tira o ar, a capacidade enxergar o paquiderme na efemeridade da nuvens com o denso contorno da chuva, ora fazendo sol, ora sombra, porque eu sempre fui elefante pisando na casinha da Barbie. Convivi muito com minha avó materna, exímia poeta, leitora voraz. Ela recitava versos de cabeça, os seus, os que lia e até os populares. Dizia que foi treinada desde pequena para isso. Ela participava de oficinas, e eu quietinha de orelha em pé, acompanhava tudo. Tentei escrever poesia, mas nunca gostei do resultado. Me enxergo desajeitada com as palavras e co...

Nós merecemos

  O mundo descobriu as delícias de Fernanda Torres, aquelas que nós já conhecíamos bem e talvez nem nos déssemos conta do que tínhamos em casa. Ver o sucesso internacional dela é que nem ver gringo experimentando paçoquinha, brigadeiro e caipirinha. Ela que estava ali trivialmente tornando a vida mais divertida através da tv de casa, que em um dia difícil arrancava nossas risadas. A mesma que nos fez chorar tantas vezes no cinema nossas dores nacionais e identitárias.   Minhas filhas precisavam entender esse fenômeno em sua totalidade, que não é só saber que uma grande atriz brasileira está arrebatando as atenções mundo afora com uma história importante, mal contada nos relatórios oficiais, mas bem contada na arte que não aceita apagar memórias e pessoas. Por isso eu e as meninas, começamos a maratonar “Entre tapas e beijos”. Todas as noites Fátima e Sueli arrancam nossas risadas. Joelma embala nosso pós janta e as crianças estão contagiadas pelo fenômeno Fernandinha. Depois...

O direito de comprar canudos

     Um dia estava eu comprando decoração para uma festa infantil em uma loja dessas que já foram chamadas de 1,99 e hoje tiveram os juros corrigidos para tudo por 10 reais quando me deparei com canudos, digamos, fálicos. Na verdade eram literalmente canudos de piroca.       Sou muito canguinha, não precisava deles para uma festa infantil, considerando que não sou entusiasta da fake news da mamadeira de piroca, portanto não os adquiri. Mas devo confessar que a possibilidade de comprá-los, assim como quem tem direito a ter um cpf próprio, tem direito ao voto e pode sair do país sem precisar de autorização do marido, em comunhão com o capitalismo e a sociedade do efêmero despertou em mim um desejo de consumo. Tanto que fotografei o acessório de drinks de estética questionável e enviei para todo mundo que o acharia exótico, engraçado (poderia dizer gozado, mas talvez seja infame demais).     Dia 30 de dezembro passado voltei à loja para com...