Quem se reconhece?


Em vidas pautadas pela tecnologia e embaladas pelas redes sociais, bailam movimentos estéticos em rota certeira de colisão, que só não colidem, porque no percurso encontram seu alvo, nós, mulheres. Poderíamos atribuir esse antagonismo estético a alguma imprecisão na coleta dos dados, mas é provável que o único dado levado em conta para a entrega de conteúdos seja o “feminino”, reforçando a importância do “prefiro não declarar”.

De um lado anúncio de perfis patrocinados de harmonização facial (ou seria demonização facial?), preenchimento labial, lente de contato para os dentes (eles tem problema de visão?), extensão de cílios que fazem sombra para as bochechas, tutoriais de maquiagem que prometem nos deixar com 10 anos a menos. Seria bom ter 10 anos a menos?

De outro, vem, menos impulsionado e bem mais orgânico, o movimento para nos aceitarmos como somos. Liberar a pancinha, naturalizar as ruguinhas, desmistificar a idade máxima para uso de mini saia, entender que não há nada mais feminino que celulite e nada mais maternal que estria. 

Em meio a essa bagunça com nossa auto imagem há o reconhecimento facial exigido por muitos aplicativos. Essa semana, precisei reinstalar o app do banco e estou até agora me perguntando como eles me reconheceram no banco, porque eu não me reconheci. Estava em um dia me achando bem, mas depois de habilitar o app, não fosse toda minha consciência e visão crítica de mundo, fosse eu uma pessoa mais frágil e sem tantas contas para pagar tinha me atirado na primeira oferta de botox parcelado, deixar minha cara parecendo um sabonete e criar um gasto semestral a mais para minha parca renda. Ok, talvez o problema seja eu, mas sei que é algo maior. Não faz muito precisei ajudar minha mãe a fazer o reconhecimento facial e tive muito medo que entregassem a aposentadoria dela para um agricultor chinês.  

Chego a conclusão que a indústria de cosméticos e intervenções estéticas está diretamente ligada à criação dos app de reconhecimento facial. Não sei o que é, se é aquela moldura oval, se é aquele aproxima e distancia, se é a luz, mas o reconhecimento facial é um aniquilador de auto estima, tal qual a luz fluorescente branca em provador de biquini.



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