Colapsamos
Já vi muita tragédia pela
tv, transmitida com todo o sensacionalismo que a programação contemporânea
exige pra ter audiência. Já fui espectadora de catástrofe. Estar no epicentro
de uma é novo, tem um quê de ineditismo que eu preferia não conhecer e por mais
que eu não tenha sido atingida diretamente, a água fica tão perto, em lugares
que nunca pensamos que chegaria. A cidade está colapsada, a sensação é que cada
vez que pensamos que não dá pra piorar, descobrimos um novo limite.
Na fila pela água potável
recebo a ligação de uma amiga que precisou sair de barco de casa, pedindo
abrigo. Digo que venha, brinco, aviso que não tenho luz, mas tenho calor
humano. Aquele mundo tão distópico toma forma, contorno e assim com estranha
naturalidade, como sempre tivesse sido assim, resignada, espero minha vez,
porque em meio ao caos ainda mantemos certa ordem. Me abraço no galão de 20
litros, percebendo que os próximos dias serão tensos, longos e provavelmente
ainda farei o trajeto muitas e muitas vezes com a minha nova amiga, a bombona.
A noite cai, caminho
pensando em quão privilegiada eu sou que embora vivendo na cidade colapsada
tenho a sorte de estar a salvo. Abraçada ao meu incômodo e luxuoso vasilhame,
penso como as margens do privilégio e do rio, aquele que ficava a 800 metros da
minha casa e hoje resolveu morar a 400, são incertos.
Enquanto escrevo, volta a
chover, venta na rua e na minha mente. Só consigo pensar que o estado onde
nasci está passando pelo quarto maior desastre climático, sendo que os últimos
três ocorreram do meio do ano passado para agora. Passará esse. Será que passa?
Deve passar, mas seguramente virão outros. Por trás do barulho movimentado das
tentativas de ajuda e socorro, há um silêncio enorme, uma espécie de túnel
escuro, vazio onde a gente tenta enxergar o que vem pela frente.
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