C@garam
Pouco saí de casa nas
últimas semanas, por motivos de morar em Porto Alegre, não ter um barco, um
jetski, uma canoa e estar com minha carteira de arrais amador vencida. Todos os
percursos feitos em maio até o final de semana passado foram friamente
calculados para evitar o rio. Talvez, eu ande meio monotemática, mas tô que nem
os bueiros da cidade. A coisa vem quase que espontaneamente de dentro pra fora.
Eis que final de semana
passado aproveitei a baixa momentânea das águas e saí da minha toca seca. Me
desloquei por caminhos há tempos não dirigidos, porque mesmo que eu quisesse
uma semana antes só poderiam ser navegados. Acompanhada das minhas pimpolhas e
mais duas emprestadas rumamos a um aniversário. Festinha apelidada de “parabéns
tampão”, porque a festa programada foi inviabilizada pelo estado de calamidade,
mas como quando se completa quatro anos “calamidade” não é um conceito muito
claro, minha amiga, mãe da aniversariante, achou interessante chamar assim um
encontro improvisado, em homenagem à sua filha, em uma cidade que vaza tanto.
Eu e minha excursão infantil, andamos pelas ruas com olhos atentos, procurando,
através dos vidros fechados, as mudanças que a cheia trouxe. Um paradoxo da
cidade é que mesmo paralisada ainda assim ela é dinâmica.
Quando chegamos ao nosso
destino, um prédio bem perto da área mais central que esteve alagada por muito
tempo (e agora está alagada de novo), descemos do carro e fomos envolvidas por
um cheiro pútrido. As crianças, como infantis de 2024 começaram a tapar os
narizes e dizer escandalosamente:
- Eca que nojo! Que cheiro é esse!
- Quem peidou????
- Foi tu sua porca?
Respondi:
- Esse é o cheiro da cidade agora que a
água da enchente começou a baixar.
A vontade era dizer:
Amores, calmem, c@garam! C@garam na cidade, c@garam no sistema de prevenção,
c@garam no DMAE, c@garam na Defesa Civil, c@garam na legislação ambiental,
c@garam na cabeça do povo, c@garam para a ciência, c@garam pro aquecimento
global, c@garam no mundo! Mas me contive porque sempre fico com medo de falar
algo assim, elas entenderem de forma literal e repetirem em local inadequado.
Se bem que inadequado mesmo é fazer tanta c@gada e culpar a chuva, o rio, a
natureza.
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