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Mostrando postagens de maio, 2024

Ilusões

Ilusões Para quem não tem uma noção muito clara do que aconteceu e ainda está acontecendo aqui no Rio Grande do Sul, o estrago foi tão grande que faz mais de um mês que voltamos pra época em que compras na internet não existiam. Eu, uma assídua consumidora online, considero essa uma das maiores comprovações do fim do mundo. Mas a vida que resta ainda segue e nesse caos uma pequena ente querida fará 7 anos. Ainda que seja muito mais capaz que o prefeito da capital gaúcha em dar explicações sobre a cheia, ela tem seus desejos e lista de presentes, próprios de quem vive na sociedade do consumo. Há uns 40 dias atrás ela poderia pedir o que quisesse desde que coubesse no orçamento. Qualquer coisa de qualquer parte do mundo, que possivelmente chegaria em no máximo um mês. Hoje é necessário fazer como os Incas e os Maias: ir a lojas em shoppings. Morro de medo do estabelecimento só aceitar dinheiro ou cheque. A aniversariante ciente das limitações impostas pela crise climática pediu uma B

C@garam

  Pouco saí de casa nas últimas semanas, por motivos de morar em Porto Alegre, não ter um barco, um jetski, uma canoa e estar com minha carteira de arrais amador vencida. Todos os percursos feitos em maio até o final de semana passado foram friamente calculados para evitar o rio. Talvez, eu ande meio monotemática, mas tô que nem os bueiros da cidade. A coisa vem quase que espontaneamente de dentro pra fora. Eis que final de semana passado aproveitei a baixa momentânea das águas e saí da minha toca seca. Me desloquei por caminhos há tempos não dirigidos, porque mesmo que eu quisesse uma semana antes só poderiam ser navegados. Acompanhada das minhas pimpolhas e mais duas emprestadas rumamos a um aniversário. Festinha apelidada de “parabéns tampão”, porque a festa programada foi inviabilizada pelo estado de calamidade, mas como quando se completa quatro anos “calamidade” não é um conceito muito claro, minha amiga, mãe da aniversariante, achou interessante chamar assim um encontro improv

Rasgaram as beiradas

Comeram a cidade pelas bordas. Rasgaram as beiradas. Um novo contorno se desenha, mal acabado, sem arremate, grotesco. Os pedaços foram arrancados com força,  com raiva. Sacudiu tudo! A violência e a rapidez levou à completa desordem, como papel que uma vez amassado, as fibras quebram.  Fica perceptível até mesmo pra quem tá de fora através das inúmeras imagens divulgadas à exaustão. Aqui de dentro não reconhecemos mais os vizinhos. Ansiosos, preocupados, temos medo do desconhecido, desconhecemos e reconhecemos na estranheza daqueles tantos que não sabem a ordem dos corredores do mini mercado de bairro.  Pegamos forte as mãos das crianças para a segurança delas, ou pela segurança que elas nos passam com sua capacidade de adaptação. O espaço antes dominado, recheado de novos rostos, agora  assume nova e estranha identidade. Há uma ordem em formação que conta com olhares assustados e desconfiados. Na conduta social em ascensão, imposta do dia para noite, todo mundo age sem saber como agi

Colapsamos

  Já vi muita tragédia pela tv, transmitida com todo o sensacionalismo que a programação contemporânea exige pra ter audiência. Já fui espectadora de catástrofe. Estar no epicentro de uma é novo, tem um quê de ineditismo que eu preferia não conhecer e por mais que eu não tenha sido atingida diretamente, a água fica tão perto, em lugares que nunca pensamos que chegaria. A cidade está colapsada, a sensação é que cada vez que pensamos que não dá pra piorar, descobrimos um novo limite. Na fila pela água potável recebo a ligação de uma amiga que precisou sair de barco de casa, pedindo abrigo. Digo que venha, brinco, aviso que não tenho luz, mas tenho calor humano. Aquele mundo tão distópico toma forma, contorno e assim com estranha naturalidade, como sempre tivesse sido assim, resignada, espero minha vez, porque em meio ao caos ainda mantemos certa ordem. Me abraço no galão de 20 litros, percebendo que os próximos dias serão tensos, longos e provavelmente ainda farei o trajeto muitas e mu

Preste atenção

  A diminuição do desejo é a queixa sexual mais frequente entre mulheres brasileiras em relacionamentos prolongados. Li eu em uma pesquisa. Dizia lá   que os três principais elementos sociais que levavam a isso são: educação sexista, tornando o sexo tabu para mulheres; assimetria nos relacionamentos amorosos, tendo mulheres e homens expectativa discrepantes em relação a sexo e afeto; e a maternidade pela sobrecarga advinda dos cuidados com os filhos, a falta de parceria e a dificuldade de se ver como mulher sexual após ser mãe. E cá fiquei eu pensando: sim, tudo isso faz muito sentido, mas a sobrecarga provavelmente é o que mais conta e a questão não é ser mãe, o problema é ser mulher exausta. É muito difícil ser “sensuel”, “sexuel”, fazendo lista de supermercado na cabeça, lembrando do tema de amanhã, pensando que esqueceu de colocar roupa na máquina e vai faltar uniforme, imaginando o que vai colocar na lancheira no dia seguinte, tentando adivinhar se de manhã bem cedinho a pia vai