Que lógica há?


A despeito do aquecimento global, batem os primeiros ventos outonais. Com esforço dá pra sentir um fresquinho de manhã cedo. Nada que nos remeta há quatro décadas atrás, quando fumar era charmoso, cortar árvore era solução, linha telefônica era luxo e um item essencial ao vestuário de toda a criança nascida na região sul do país era o passa-montanha. Um gorro que tapava cabeça e pescoço, deixando de fora só o rosto com as bochechas e o nariz assados pelo frio e pelo papel higiênico lixa que fazia a colheita de ranho de abril à outubro.

Eu sou entusiasta do frio! Consciente de que vivo em um país com um abismo social, reconheço meu egoísmo e desenvolvo sentimentos dúbios em relação a essa minha predileção. Sentada na poltrona de todos os meus privilégios me encanta o vinho, a lareira, não suar feito uma porca prenha. A moda no frio me fascina, ainda mais no home office que ninguém vê minhas havaianas com meia. Adoro casacos, gorros, lenços, mantas. Acho lindo o clássico. A roupa vai muito além de vestir corpos, é elemento de expressão.

Mas um lado meu, provavelmente o mesmo que é saudosista do frio da década de 80, não entende certas peças e suas simbologias. Dia desses, em um amanhecer fresquinho, passou por mim uma moça de cropped de manga longa e foi impossível minha mente fértil, recém desperta, não fazer disso um tema dos meus pensamentos. Que lógica há no cropped, antiga mini blusa, de manga longa? Eu até tento olhar sob a ótica do estilo, mas tenho dificuldades de compreender o negócio que esquenta os braços e ventila a barriga. Sem contar que os dias de outono começam fresquinho, chega meio dia tá batendo 30 graus, e o sovaco tá ali apertado naquele tecido. Será que o desodorante aguenta essa vida difícil? Porque pensa comigo: de que adianta ter uma barriga chapada exposta e um zorrilho acuado camuflado debaixo do braço?

Não bastasse esses pensamentos intrusivos que vem à minha cabeça logo cedo, preciso lidar com essa senhorinha saudosista e antiquada que começa a tentar habitar o meu ser e se parece tanto com meu pai que na minha adolescência comparava minha orelha com uma peneira depois que coloquei o quinto brinco.

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