Meritocracia à flor da pele

 

Meritocracia é uma palavra formada pelo prefixo latino mereo que significa ser digno, merecer e pelo sufixo kratos originário do grego que denota poder, força. Ou seja, é um termo que estabelece relação direta entre mérito e poder, poderíamos dizer que se relaciona com o alcance do poder através do merecimento.  De forma sucinta a ideologia meritocrática fundamenta-se na velha máxima de que se você se dedicar ao máximo chegará ao topo.

No entanto, quem vive a vida real sabe que na prática a banda toca em outro tom. Nós, seres humanos minimamente evoluídos, levemente sensíveis, já descobrimos que entre merecer e alcançar há uma série de camadas obscuras e que no raso, bem no raso o mundo é injusto, desigual. Dentro da sociedade capitalista o que vale é o dinheiro e em outras formas de organização sociais até agora só se provou que influência vale muito mais que qualquer merecimento ou capacidade. Infelizmente, somos rodeados de iludidos que acreditam de fato na correlação fantasiosa: mérito e sucesso. Alguns ao longo da vida descobrem que a coisa não é bem assim. Outros morrem achando que são o que são apenas por seu mais sincero e digno esforço. Tem aqueles que deixam esse plano com a certeza que não se esforçaram o suficiente, quem sabe em outra dimensão terão recompensas?

Mas entre os que comungam dos ideais meritocráticos, o que mais me choca, diria até que me magoa mesmo, é a derme. Como pode o maior orgão do corpo humano, formado com as nossas próprias células, ser do nosso ser, partilhar de conceitos tão ultrapassados? Se você tem ou não uma conta bancária bem recheada a derme não liga para isso. Chega um momento da vida que ela acredita que você já ralou o suficiente para lhe proporcionar bons cosméticos e começa a não reagir a qualquer produto.

Foram muitas segundas-feiras sendo influenciada pela Hebe falando de boca cheia Monange. Noites e mais noites vendo a Tônia Carrero, em horário nobre, endeusando o leite de aveia Davene. Para passar dos 40 anos e descobrir que a cutis exige um Cerav, Isdin e o cabelo clama por um Wella, um L’oreal.  As células que recobrem nosso teórico templo não estão nem aí se ao longo dos últimos 30 anos, você fez das tripas coração pra manter o básico pago. A derme só considera que se você ralou e se utilizou dela durante todos esses anos o mínimo que ela merece é esse conforto, ter sua epiderme e seus pelos bem tratados, nem que para isso você precise parcelar mensalmente o tempo que dura o luxo dela.  Isso acaba com muitas ilusões que a indústria barata de cosméticos nos fez acreditar e esclarece porque os cachorros voltavam da pet na década de 80 (que nem chamava pet) com cheiro de Colorama.

Do ponto de vista das células que nos recobrem e fazem o contato físico diário do nosso ser com o universo você pode até ter 43 anos com cara de 39, mas elas sabem por tudo que vocês já passaram juntas e isso não tem ácido hialurônico, não tem botox, fios do não sei o quê que escondam. A derme sabe muito bem o tempo que está a serviço desse corpinho e reivindica seus merecidos cosméticos de qualidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fica bem 2023

A pontezinha do Sakae's

Rituais de final de ano