Gratidão
De tempos em tempos
surgem modismos linguísticos. Não são gírias, palavras inventadas ou com
conotações diferentes, são simplesmente palavras que já estavam por aí
circulando, mas que por algum motivo qualquer passam a ser usadas à exaustão.
Não necessariamente de forma correta. Não necessariamente com discernimento de
quem as profere. Às vezes elas são originárias da língua portuguesa, às vezes
são surrupiadas do inglês. É praticamente um rebrand (rebrand tá na moda) de
algo que já existia.
Já tivemos o momento histórico
do famigerado pleonasmo "um plus a mais". De uns tempos pra cá todo
mundo precisa ter nichos em casa pra colocar seus badulaques. Tem moda pra
tudo, pra roupa, pra comida (quem ainda lembra do mamão cassis), porque não
teria na linguagem? Podia não ter, mas tem.
Nesse momento eu escrevo e cerro meus lábios num semi sorriso tentando
fingir que lido bem com isso.
Recentemente na tendência
yoga de vida entrou na moda o "gratidão". Eu como uma espécie de
Grinch da humanidade me irrito e cada vez que ouço gratidão sinto ferir o âmago
de uma fada crítica, julgadora, mau humorada, tipo a Sininho, que mora em mim,
mas como ela é pequenininha quem disse gratidão nem ouve e se ouvisse
provavelmente diria: Gratidão. E se por acidente do destino lesse essa crônica
e tivesse oportunidade de me dizer alguma coisa, me diria: Gratidão. Para além
do modismo, o que me incomoda no termo é que ele é usado em substituição ao
"obrigada", logo as pessoas deveriam dizer "grata, grato"
ou então quando usassem o vintage obrigada o correto seria dizer obrigação. Há
de se manter uma coerência.
Vale ressaltar aqui que
eu lido bem com o ser gratiluz raiz, aqueles que são trabalhados na gratitude
muito antes disso virar moda. E agora aquela frase que todo o preconceituoso
usa pra tentar salvar sua pele: Tenho amigas que eu adoro e são super gratiluz
há muito tempo.
O que me incomoda é quem
diz gratidão só por dizer, porque todo mundo tá fazendo assim, que diz gratidão
pelo sol fazer sua função. Me incomoda o
sujeito que usa um coquinho samurai, tem uma startup e diz gratidão pra
faxineira que tira pó dos seus muitos equipamentos tecnológicos de última
geração. Me incomoda a moça da caminhoneta do ano, hoje conhecida por SUV, com
colchonete de EVA guardado no porta mala que diz gratidão pro frentista. Soa
quase como um agradecimento à injustiça social que permite que continuemos
vivendo nessa sociedade de faz de conta que não é composta por castas. Me
incomoda o pai e a mãe que são chamados pela enésima vez no colégio porque
fulaninho enfia a tesoura na boca, cortou o cabelo da coleguinha e tacou o
estojo na cabeça do menino na fila e dizem gratidão pra professora. Um
agradecimento pela professora que seguirá tendo que aguentar aquele pequeno ser
de luz em curto circuito dentro da sala de aula. Me incomoda o excesso de
gratidão e a ausência de ação.
Esses dias vi um vídeo em
que a atriz Drew Barrymore pergunta para Hugh Grant: “Você tem um diário de
gratidão?” E ele responde: “Não seja absurda! Eu tenho uma lista de coisas que
odeio.” Hugh Grant, nem sempre me representa, mas nesse dia me representou.
Gratidão, Hugh!
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