Caminho sinuoso
Na vida um dia a gente é
jovem e no outro tá falando: Olha que maluco o barulho que faz o meu joelho! E
assim acende a luz no cérebro indicando que o equipamento tá ficando
deteriorado pelo uso (ou mau uso). A lataria pode tá bem conservada, sem
maiores avarias, aquela carinha de 42 com 43, mas não adianta, o material
interno começa a dar sinais de desgaste. Vamos e venhamos, o corpinho foi
concebido antes da internet, naquela época que o telefone era de discar e a tv
era de tubo (quando eu falo dessas coisas minhas filhas me imaginam nascendo em
uma caverna). Quando o joelho passa a
ter som é natural bater uma bad, afinal a gente vem ao mundo pronto para
trilhar um caminho, não pra medir o quanto andou e o quanto ainda tem pra
andar, até porque o objetivo utópico é justamente não chegar ao fim do
percurso. Além do mais vivemos em uma sociedade que gosta muito de enaltecer a
arrancada e não a beleza que há na caminhada sinuosa.
O meu joelho começou a
fazer um barulho estranho em um dia chuvoso de inverno, quando eu e minha filha
mais moça fomos atropeladas dentro do estacionamento de um hospital em cima da
faixa de segurança. A jovem da minha idade que nos atropelou (às vezes eu
torço baixinho para que o joelho dela tenha começado a fazer barulho) me
atingiu devagarinho. Ela vinha dirigindo e usando o celular. Naquele momento
senti saudades da minha infância na caverna. Com o impacto da batida eu dei uma
bundada na cara da minha filha e caí de joelhos. Senti que tinha ralado, mas
sou mãe, então levantei e fui juntar a pequena que por sorte estava cheia de
casacos, gorro, capuz e caiu como um colchão enrolado. Acolhi minha bichinha
assustada que chorava desesperadamente. A nossa atropeladora e o segurança do hospital vieram nos ajudar.
Perguntaram se precisávamos de atendimento médico. Eu disse que não tínhamos
machucado nada além da moral. Peguei no colo aquela imensa criança soluçante, que
sem todas as roupas pesa 30 quilos e fui caminhando em direção ao nosso
destino, sentido o ralado do joelho colar na calça, mas entre tantas
possibilidades de tragédia aquela era a menor delas. Daquele dia em diante meu
joelho nunca mais foi o mesmo, já teve dias melhores e piores.
Quase seis meses depois
do acidente ele vinha em uma melhora crescente, mas de umas semanas pra cá a
maionese desandou. Não dói para caminhar, correr, pular. Dói só pra dobrar,
teoricamente sua principal função, mas
sendo justa só a primeira dobrada, depois de dez repetições começa a melhorar.
Será que a vida agora vai ser assim? Sentar e levantar da cadeira do cinema dez
vezes antes de começar o filme pra aguentar a sessão inteira?
Fui colocar as crianças
pra dormir pensando na senilidade do meu pobre joelho, um bom companheiro de
luta, mas que agora além de ter um barulho estranho também doía de quando em
vez. Coloquei uma historinha no spotify, me deitei no chão e senti uma fisgada
no piriforme (um colega do ciático). A historinha rolando e eu pensando que
quando eu fosse pro meu quarto teria que ir engatinhando, lembrei que o joelho
não aguentaria engatinhar, a solução seria me movimentar como um soldado na
trincheira. Saudades da época do Incas e dos Mayas em que eu estaria lendo a
historinha e não gastando meu tempo pensando na velhice do meu corpo. Com
esforço me levantei do chão e fui dormir com a moral em baixa. No outro dia de
manhã quando coloquei meu tênis velho, que a meses precisa ser aposentado, mas
não é uma prioridade, vi que a sola dele estava muito gasta. Saí
com uma felicidade azeda, talvez meu problema não fosse o desgaste
físico durante a jornada e sim o desgaste aquisitivo. Só mais uma sinuosidade
no caminho.
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