Articulação idosa

 

Vinha eu caminhando pela rua, um pouco desenxabida porque meu fone tinha acabado a bateria. Eu sabia que isso aconteceria mais dia menos dia. Eu, uma natural não procrastinadora, procrastinei e não coloquei o negócio para carregar. Fora a pausa obrigatória na minha trilha sonora que dá energia para me mexer, me incomodava o calor, esse calor portoalegrense que pesa, que parece que tá oprimindo a gente e faz o suor escorrer pela coluna até o sulco das nádegas, também conhecido como rego da bunda e eu to orgulhosa de saber o nome técnico pra onde as gotas de suor escoam, porque fui procurar pra tentar não escrever o nome vulgar, mas não resisti e escrevi assim mesmo, já que me sinto mais liberta sendo um pouco escrachada. Então, de repente não mais que de repente uma conversa do outro lado da rua me chamou a atenção fazendo com que eu saísse de dentro da minha cabeça vazia cheia de pensamentos. Um rapaz jovem (dizer rapaz jovem faz de mim alguém tão velho) e uma senhorinha arrumavam o pátio de casa. Ele disse:

-Vó, não vamos demorar que hoje vai chover!

A senhorinha, visivelmente bem idosa, mas com invejável energia, respondeu:

- Vai chover nada! Meu joelho não tá doendo.

O neto insistiu.

-Vó! Eu vi agora mesmo no meu celular. Vai chover por volta da uma da tarde!

- Não vai nada guri, meu joelho é muito mais certeiro que esse teu celular, se for pra chover, vem só de madrugada.

Me senti conhecendo pessoalmente, mesmo que a distância, o galo do tempo. Aquele que na década de 80, toda a casa de classe média que se prezasse tinha. Para os jovens que porventura não estão entendendo o conceito do galinho do tempo, eu explico. Era um galo que parecia um enfeite de mau gosto e quando ia chover ficava azul. Aquela senhorinha era a encarnação do espírito do galo do tempo, só podia.

Continuei caminhando e agora me atormentava não ter colocado o fone pra carregar, o calor, o suor escorrendo e não saber quem ganharia a disputa: previsão do tempo notificada no celular X joelho de véia.

Deu 13 horas, tudo nublado e nada de chuva. O joelho ganhava da previsão do tempo. Passou a tarde, o calor e as nuvens indicavam muita umidade, mas não caia uma gota. Porto Alegre e sua estranha capacidade de ter umidade relativa do ar em 99% e não chover. Chegou a noite e nenhum aguaceiro.

Na madrugada despertei com o barulho da chuva. Nos poucos minutos que fiquei acordada até adormecer de novo me perguntei se aquele joelho já tinha doído e porque todo o serviço de meteorologia não conta com uma articulação idosa para ter maior precisão. Pensa que avanço poderia ter a previsão do tempo se as estações meteorológicas ficassem em residenciais geriátricos?

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