Eu era péssima em Português

 

Me inscrevi para fazer um curso e para a matrícula precisava do meu histórico escolar do ensino médio. Obviamente eu não tinha o documento, tive que entrar em contato com o colégio que estudei. Expliquei pra secretária que eu tinha estudado lá na época em que os dinossauros tinham sido extintos e que precisava do tal histórico. A moça simpática, não demorou a me passar o documento. Com ele em mãos tive uma revelação bombástica: as minhas piores notas eram em português. Como assim? Em minha memória afetiva eu era ruim nas exatas, que de fato eu também era ruim, mas constava ali que em português eu conseguia ser pior. Segundo o documento eu era ruim em praticamente tudo, o que me salvava era História, que modéstia à parte eu acho lisonjeiro, e Educação Física. Educação Física? Eu sou reconhecida publicamente por ser quase incapaz de subir escada e mascar chiclete ao mesmo tempo. Lembrei que a professora de Educação Física era mucho loka, só colocava música legal e nos deixava ficar jogadas no chão falando sobre a vida. De vez em quando fazíamos meia dúzia de abdominais. Sabíamos tudo sobre a separação dela.

Mas ser péssima em Português ainda me intrigava. Na minha lembrança eu era muito boa, tinha textos elogiados pelos professores. Na oitava série fiz uma paródia de Canção do Exílio de Gonçalves Dias que foi um sucesso. A professora, uma senhora toda arrumadinha, fazia questão de mostrar pra todo mundo. Me rendeu até certa fama entre professores e colegas.

Nesse processo de fazer uma busca na minha memória, cheguei aos meus dias sombrios no Ensino Médio. Fora o fato de eu ser insubordinada demais para conseguir identificar uma oração subordinada, na primeira semana de aula nos pediram para fazer uma dissertação à la vestibular da época. A nova professora uma senhora loira, sisuda, que parecia ter saído do 3° Reich, a qual lamento não lembrar o nome, pois teria um certo prazer vingativo em expô-la aqui, deve ter nos passado uma receita de dissertação. Eu cumprindo meu papel de adolescente de 14 anos, não devo ter prestado atenção. Logo, muito segura de mim, cravei uma prosa qualquer e semanas mais tarde a gentil mestra leu meu texto como um exemplo de redação ruim, segundo ela, bom mesmo era o texto do André, um menino que passava a aula inteira comendo bananas, e ali naquele momento nascia nossa rusga que rendeu as piores notas no meu histórico escolar.

Ela provavelmente me achava pretensiosa (eu talvez fosse), e tinha dificuldade de lidar com a minha criatividade, ironia e sarcasmo característicos.  Eu a achava péssima, incapaz de reconhecer minha prodigiosa escrita e me tornava cada vez mais irônica e sarcástica em todas as minhas ações. O ruim é que essa má relação, essa disputa de poder, com a professora austera me afastou dos meus escritos, pelo menos da exposição pública deles. Passei três anos da minha vida ouvindo que eu não escrevia bem, não conseguia seguir a receita de bolo da dissertação do famigerado vestibular. Em algum momento acreditei. A senhora sisuda tinha mais poder mesmo.

Anos passaram, anos de escrita escondida, às vezes só imaginada, no processo de cura que às vezes o tempo faz, e sem vergonha, ligando o botão do fod@-se voltei a expor minhas mal traçadas linhas. Não por fazer isso bem ou mal, mas por gostar de fazer. Sendo assim, minha jovem de qualquer idade que me lê ou não, não deixe lhe dizerem no que você é boa ou ruim, permita-se avaliar você mesma e para além do bom e ruim, foque no prazer e na ausência dele.

De mais a mais, se eu fosse avaliar a mestra saída do 3° Reich, ela teria se afastado da sala de aula no dia em que leu meu texto, mas provavelmente a ela gerava algum prazer expor alunos em fase de construção de personalidade. Pense quantos estudantes ela enlatou ao longo de sua carreira como docente?

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