Canalizando energia

 

Há uns 10 dias atrás Porto Alegre passou por uma tormenta, tempestade, vendaval, seja lá o que foi aquilo. Da minha janela eu podia ver as árvores dançando lambada e elas eram bem maiores que o Sidney Magal o que fazia a experiência saltar do peculiar para o assustador. Logo ficamos sem luz. Fomos dormir porque já era noite e a chuva seguia fazendo barulho.

No outro dia acordei ainda sem energia elétrica. Buscando manter a energia interior me arrumei para a academia e abri a porta da rua. Na pracinha que fica na frente da minha casa muitos galhos caídos, mas nada caótico. Quando cheguei na calçada olhei para um lado e a uns 100 metros tinha meia árvore estatelada no chão. Olhei para o outro lado e a mais ou menos a mesma distância havia uma árvore inteira caída, com raiz e tudo, que tinha levado por diante fios, o poste do relógio de luz de um vizinho, bem como a grade de sua casa. Tive pena do vizinho. Caminhei rumo a academia desviando de árvores e destroços, porque tenho o objetivo de ser saudável até no fim do mundo ou porque às sete da manhã faço tudo no automático, não sei bem. Pelo trajeto fui desenvolvendo certa empatia pelo vizinho do poste, afinal coitado ia ter que pagar pelo poste, pela grade e encher o saco mais que todo mundo para restituírem a luz da nossa rua.

Ao longo do dia descobri que quase a cidade inteira estava sem luz (menos a academia, porque gente maromba tem parte com o diabo). Pobre do vizinho do poste, iam demorar tanto pra resolver o problema dele e consequentemente o nosso. Trinta e seis horas sem energia elétrica, contando com a caridade e tomadas de amigos fiéis que moram perto, descobri que o vizinho estava viajando, que ninguém tinha o contato do cidadão. Olhei pra casa e vi que o carro dele estava na garagem. A viagem devia ser pra longe, de avião e nós aqui sem luz e ele lá sem saber e sem fazer nada. Quarenta e oito horas depois, num calor da porra, sem ar condicionado, com duas crianças entediadas, minha empatia por aquele vizinho riquinho, mimado que tava viajando e deixava a porra do poste dele caído com nossos fios todos arrebentados enquanto eu que tava com meu poste em pé precisava ficar brigando com a companhia elétrica que foi privatizada e se antes demorava para resolver os problemas, agora dava ghosting nos clientes, se esvaia.

Mais de cem horas depois restabeleceram a luz, e por incrível que pareça minha internet funcionava. Fiquei tão feliz que saí para correr, afinal estou disposta a ser saudável no fim do mundo e a endorfina ajuda a gente a não matar familiares, atendentes da companhia elétrica e vizinhos que não se coçam para resolver os problemas. Na volta passei pelo vizinho que aparentemente tinha voltado e quebrava com uma marreta seu poste de concreto para finalmente liberar a rua por inteiro. Quase tive pena dele, desviei dos galhos de árvore pensando: coitado todo mundo na rua tem luz, menos ele! E foi nesse momento que o cidadão tentando tirar o resto dos galhos, rompeu o que restava de fio da internet e ali naquele momento ele conseguiu romper qualquer tipo de empatia, simpatia que eu porventura poderia vir a nutrir por ele. Depois de mais de 100 horas sem internet eu só sinto antipatia, muitaaaaaaa antipatia, por ele, pelo poste, pela empresa da internet, mas amanhã eu vou correr, hoje eu vou correr para não sentir ódio nem vontade matar vizinhos, atendentes da empresa de internet e não chutar a escada dos moços, teoricamente técnicos, que ficam pendurados no poste e não conseguem emendar fios.

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