A multiplicação dos Papais Noéis

 

Dezembro é um mês um tanto peculiar. Não bastasse a necessidade humana de confraternizar loucamente como se não houvesse amanhã (e sempre há, sempre há e quando não houver não saberemos) tem ainda tudo do trabalho que precisa ser finalizado, antes que o ano termine. Quando se trabalha com eventos sejam eles culturais ou festivos as duas coisas, as comemorações e o tudo laboral, se misturam.

Acaba que o trabalhador do setor tá sempre voltando tarde para a casa como se estivesse confraternizando, mas, na verdade, tá festejando fazer a coisa acontecer. Como quem participa de uma gincana, vai riscando da listinha os eventos já realizados, correndo em direção a linha de chegada, também conhecida como recesso de fim de ano. Eu como pessoa que trabalha nessa área estou na corrida.

Chegar tarde em casa tem chamado muito a minha atenção para a precarização do trabalho. Não do meu, até porque a cultura é precarizada há tanto tempo que isso não seria exatamente uma surpresa. Tem me saltado aos olhos a multiplicação dos papais noéis, o que mostra a precarização do trabalho como um todo. É tipo a uberização do Papai Noel, a pessoa trabalha o dia todo e de noite se veste de bom velhinho para fazer mais uma grana.

Dia desses eu voltava para casa já tarde da noite com minhas filhas que frequentemente assistem os eventos em que trabalho e uma delas grita: “Olha ali mãe! Papai Noel andando de skate!” Quando olho pro lado realmente anda de skate por uma ciclovia, um bom velhinho até bem jovem para ser chamado de velhinho. Trajando aquela roupa de polo norte no calor infernal, o moço dava impulso forte com a perna, fazendo seu trenó contemporâneo ganhar velocidade para seus compromissos natalinos.

Outra noite por volta das 21h, vinha eu dirigindo, quando já perto da minha casa em uma avenida escuro fui surpreendida por um Papai Noel atravessando a rua saído de uma fruteira. O que faria um Papai Noel em uma fruteira? Seria um Papai Noel fit que distribuiria frutas no natal? Ou apenas seria um trabalhador cansado fazendo uma horinha no único lugar da redondeza que vendia refrigerante e agora atravessava a rua para entrar no condomínio chique que tem do outro lado tentando complementar sua renda baixa? Quem saberá? O Natal tem dessas magias!

E fechando minha pesquisa com Papais Noéis que se multiplicam encontrei o tradicional bom velhinho do shopping. Faltava uma meia hora pro estabelecimento fechar quando chegamos para jantar qualquer coisa rápida, porque mamãe tava cansada para estabelecer uma relação amigável com o fogão, e minha filha mais moça deu um berro de emoção: O Papai Noel!!!!! Vou lá falar com ele! Saiu correndo animadíssima, voltou para chamar a irmã que tá beirando os 12 anos e não quis desiludir a pequena, mas foi um pouco envergonhada, olhando pros lados pra ter certeza que não tinha nenhum conhecido a vista.

O bom velhinho, parecia tão cansado quanto eu. Atendeu as crianças sem grandes sorrisos. Enquanto caminhávamos para a praça de alimentação minha pré adolescente favorita comentou: “Mãe, aquele Papai Noel tava com uma cara mal humorada.” Ao que respondo: “Deve ser a concorrência e a precarização do trabalho minha filha. O mercado não perdoa ninguém, nem quem ele inventa.”

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