Redação Enem 2023

 

A mãe chega em casa quase dez da noite, depois de um de uma jornada estendida. Abraça seus amores. Toma banho rápido. Prepara uma salada que por mais que ela negue, e diga que vive de dieta por que não quer ter problemas de saúde, todo mundo sabe que no raso, bem no raso a pressão estética também conta. Senta e mastiga aquela alface com frango imaginando as inúmeras possibilidades de ultra processado que não está comendo, mas que com certeza fariam suas papilas gustativas e seu cansaço dançar música lenta de rosto coladinho. A pré adolescente entra na sala, com uma legging na mão e diz:

- Mãe, preciso que costure porque não tenho calça para ir ao colégio amanhã.

Colégio aquele que ela vai de van escolar e o transporte passa às 07h da matina. A mãe sorri:

- Meu amor, acabei de chegar.

Então, a compreensiva filha responde:

- Não precisa ser agora. Pode ser mais tarde.

Essa história poderia ser real, mas não é. Eu não conheço essa mãe que tem essa paciência. As que eu conheço diriam: Tu bebeu? Sério que tu tá me pedindo isso agora? Costura tu! Não acredito no que eu tô ouvindo! Vai sem calça! Sim, até porque eu não faço nada da meia noite às seis!

Já a pré adolescente eu conheço bem. Conheço várias.  Conheço vários. Diria até que me reconheço há mais de trinta anos atrás. Talvez, eu não tenha feito exatamente isso, mas com certeza fiz parecido.

Pensando no contexto da dita cena verossímil em sua maior parte, se uma menina que é filha de uma mãe feminista, militante, reclamona do c@aralho (nesse caso literalmente) da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher, acha que o pedido não é descabido, imagina o resto? Chego à conclusão que o tema do Enem de 2023 precisa ser permanente. Cada vez que um filho ou filha pede pra você costurar um fundilho depois das 22h para o outro dia antes das 07h, ou coisa similar, como medida socioeducativa deveria escrever uma redação sobre essa temática. Pois se não ficarmos batendo na tecla, os meninos a não ser que sejam seres de outro planeta, o que eu não acredito, nunca serão de fato sensibilizados pela causa. A posição de não cuidador em uma sociedade é muito cômoda e mudar exige sair da zona de conforto. Já as meninas só percebem a reponsabilidade desproporcional que carregam quando a água bate na bunda e caminhar dentro da água é muito mais difícil. Não acho que única possibilidade de mudança seja através da prole, mas acredito que seja a maior esperança.  

Como nunca é tarde para fazer a mea-culpa: Foi mal mãe!

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