Martina, a capivara

 

Segunda semana de outubro somos brindados com mais uma data capitalista, o dia das crianças. Por mais sábios que sejamos, sabemos que não somos sábios o suficiente, nem fortes o suficiente para tentar driblar o mercado e como consequência termos crianças chorosas se achando inferiores ou menos amadas que as outras crianças, assim sucumbimos a lógica mercadológica.

Esse ano especialmente eu estava comovida com meus próprios dramas familiares e as justificadas melancolias infantis que me rodeavam, que de forma alguma se comparam aos dramas das crianças vítimas das guerras, mas que também não podem ser invalidados. Dor e sofrimento não se compara, apenas se sente em seu próprio campo emocional e toma a proporção do mundo que se apresenta para nós. Em meio aos tropeços da vida, minhas filhas descobriram no shopping um quiosque em que você podia criar seu próprio bichinho de pelúcia. Pelo que pude entender a ideia é que o lugar vende mais que um brinquedo, uma experiência. A criança vai com horário marcado no local, escolhe seu bichinho, o recheia, ele ganha um banho de perfume, uma certidão de nascimento e os pequenos consumidores podem escolher acessórios para ornamentar o boneco.

Minha filha mais velha me garantiu que os valores do bichinho completo variavam de R$150,00 a R$180,00. Não era barato, mas nosso mar de lágrimas próprias me fez pensar na possibilidade de proporcionar a experiência para as pequenas. Cheguei a verbalizar que iríamos passar pela tal experiência Quando minha filha mais moça me deixou bem claro que queria uma capivara resolvi, em um momento de lucidez, enviar uma mensagem para o local para ter certeza dos valores antes de levar as crianças e potencialmente me tornar a pior mãe do mundo por dar pra trás no último minuto ou me tornar a mãe endividada que não soube dizer não. Ambos papéis muito mal vistos pela sociedade.

Comecei a conversa com a loja perguntando o valor dos bichinhos, recebi a resposta que eles variavam de R$79,90 a R$149,90 e os acessórios variavam desde R$4,90 até R$189,90. Pensei ok, convenço elas de ficarem com o bicho mais barato e a escolherem um acessório baratinho. Por via das dúvidas perguntei o preço da capivara especificamente. A pessoa me respondeu que capivara estava tendo muita procura. Enquanto ela seguia digitando, eu suava frio com a facada que viria e a resposta veio assim simples. “A capivara precisa fazer um pix adiantado para garantir. Uma capivara completa de abrigo e tênis dá mais ou menos uns R$300,00”. Eu já ouvi falar de xis completo, cachorro quente completo, mas capivara completa era a primeira vez que me deparava. Também nunca soube que capivaras trajavam abrigo e tênis. Quase perguntei se eles tinham licença do Ibama para aquele comércio.

A resposta estava ali para quem quisesse ver, não havia sofrimento que valesse essa capivara, não havia tristeza que fosse superada com um animalzinho desses. Prontamente entrei no mercado livre e digitei “Capivara de pelúcia”. Ali na meca da livre concorrência encontrei uma simpática capivara de pelúcia por R$62,00, trajando vestido rosa e lacinho nas orelhas. Foi assim que Martina, a capivara, essa para quem olho e admiro sua econômica fofura, entrou em nossas vidas e fez a alegria da casa.

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