Chapa-quente

 

Minha avó, que faria aniversário semana que vem, odiava estrangeirismos na língua portuguesa. Na verdade tinha pavor da americanização dos termos. Se há palavra equivalente em português não há porque usar o termo em inglês, diria ela.

Ela tinha uma amiga brasileira que se chamava Hilary e seu nome era pronunciado por todos familiares e amigos como Ilarí. Quando eu era criança visitávamos com frequência a Dona Hilary. Quando Bill Clinton assumiu a Casa Branca na década de noventa, vovó só se referia a primeira dama americana como Ilarí Clinton. Foi mais ou menos nessa época que as redes americanas de fast food começaram a invadir o Brasil e vovó nos dizia “Hoje vamos pedir uma Pizza Ute!", referindo-se a Pizza Hut. E ai de quem, perto dela, usasse americanismos desnecessários, ela logo dava um jeito de corrigir. Quem me lê aqui pode até ficar com a impressão de falta de polidez, mas lamento informar vovó era uma senhora extremamente culta, bem formada e informada, por isso mesmo jamais se entregaria assim fácil para os ianques.

Em 2023 ela provavelmente estaria achando esse mundo online, de meets, home office, job, o fim dos tempos. Dia desses me senti como ela, quando recebi um email cujo remetente me perguntava se eu realmente não queria fazer um boilerplate. Ainda que no texto ficasse bem claro que a pessoa queria fazer um trabalho conjunto, minha primeira reação foi pensar que diabos seria um boilerplate. Pela lógica seria algo como chapa quente, chapa de ebulição, como o assunto era profissional e eu não trabalho no ramo da gastronomia ou na indústria pornográfica resolvi ir mais a fundo. Descobri que se usa boilerplate em várias áreas de conhecimento, nenhuma significando a mesma coisa, mas dentro da comunicação seria como um parágrafo dizendo quem é você ou a empresa que você representa, geralmente disponibilizado junto a um release. Também há o boilerplate code que é um formato padrão, repetitivo de alguma coisa.

Obviamente que o remetente chapa quente me deixou com um rancinho, só pelo boilerplate, mas, veja bem, cresci comendo pizza ute e indo na casa da dona Ilary, sabendo que não era pra chamar broche de bottom, e que bolo é bolo não é cake e se precisar muito ser cake que seja caque. Voltando a vaca fria, ou como provavelmente meu amigo remetente diria, a cold cow, não tô em condições de esnobar trabalho e compreendi o que a pessoa queria dizer, embora nem ela mesmo tenha compreendido o significado da palavra que escreveu, respondi educadamente que eu não tinha problemas em fazer um trabalho colaborativo. Meu medo é daqui a pouco receber uma resposta com uma proposta de Colab.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fica bem 2023

A pontezinha do Sakae's

Rituais de final de ano