Simpatia e algo mais

 

Sete horas da manhã é o horário que eu abro o portão da minha casa e me posiciono na calçada junto com a minha filha mais velha para esperar a van e despachar o corpinho amado para o colégio. Ali ficamos uns cinco minutos esperando o veículo e conversando. Nas segundas e quartas quando abrimos o portão aproveitamos para colocar o lixo seco na rua. Há o caminhão oficial da prefeitura que passa mais tarde, mas também tem, desde a madrugada, a coleta extra oficial feita pelos catadores. Às vezes o recolhimento da prefeitura até falha, mas os catadores jamais.

Onde moro passam vários, todos muito simpáticos, aliás esse é assunto para outro texto: a simpatia dos lixeiros. Pessoal que vive em uma sociedade super preconceituosa, disfarçadamente organizada em castas, na qual sua profissão está entre as consideradas “de menor prestígio” e que tá sempre sorrindo. Nunca vi lixeiro mau humorado! Enfim, entre os catadores da redondeza tem um casal que sempre me chama a atenção. Ele carrega um enorme saco plástico, parece aqueles de embalar sofá. Ela arrasta um carrinho de feira e é quem abre os sacos de lixo deixados pelos moradores para ver o que interessa. Sempre dão bom dia para todo mundo que passa.

Na última segunda eles chegaram para fazer a varredura no lixo ali de casa e estávamos na calçada esperando o transporte escolar. A moça que me parece ser a cabeça do casal na busca pela sobrevivência, vulgo empreendedora, nos deu bom dia, pediu licença e abriu nossos sacos.

Lixo é um negócio íntimo, por mais que seja seco, ainda assim diz muito sobre os hábitos daquela casa, sobre as pessoas que ali moram. A minha, agora oficialmente, catadora favorita começou a puxar papo. Comentou que eu coloquei esses dias uns brinquedos no lixo seco e ela levou tudo para as netas gêmeas do marido. Eu, então, aproveitei para perguntar se ela queria roupa para as crianças, pois tinha acabado de fazer uma limpa no armário das gurias. Ela disse que sim, que eram muito bem-vindas e emendou um: “Como criança cresce, oh o tamanho que essa já tá!” apontando pra minha filha, o que deixava bem claro o convívio extra oficial que mantemos. Aproveitou para me esclarecer que eles só pegam garrafas plásticas, pode ser qualquer uma até de alvejante e shampoo, fez questão de frisar. Quando tava saindo nos deu mais um bom dia, disse boa aula para minha filha, ressaltou a importância de estudar e quando eu achava que já ia embora, ela mexeu no carrinho de feira, puxou um saco e me perguntou:

- Posso te deixar um saco de lixo? Daí tu já deixa as garrafas nesse saco separado.

Eu agradeci disse que não precisava, que eu tinha saco e ia deixar as garrafas separadas.

E assim com a simpatia, o poder, o algo mais e a alegria que só uma mulher é capaz de ter, ela me deu (e eu aceitei) mais uma demanda. Agora tenho um saco de lixo só para garrafas.

Se um dia esse país se tornar uma potência mundial vai ser graças ao seu plantel feminino!

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