Ralo da inutilidade

 

A pessoa tá cheia de coisa para fazer, porque quem não tá cheia de coisas pra fazer não tá vivendo nessa dimensão do lado de cá da humanidade, inclusive por favor, entidade superior, nos ensine como chega nesse lado daí, porque esse de cá tá bastante atribulado. Milhares de coisas passando na cabeça. Repassando as trocentas coisas que tem pra fazer no dia seguinte. Lembrando dos emails e mensagem não respondido, dos ovos não comprados, da latinha de milho vazia não enviada para a escola, dos boletos não pagos. Fazendo conta de quantas horas faltam pro despertador tocar, afinal é isso que o ansioso faz, tem síndrome do peru, morre de véspera, sofre pelo que virá.

Enquanto tudo isso passa pela cabeça da criatura ela assiste a um vídeo de um bolo lindamente decorado, sendo desdecorado para ser redecorado. Quase um minuto de vídeo e se faz uma pausa no engalfinhado de pensamentos dentro da cabeça e em um momento de lucidez único vem o questionamento: Por que cargas d'água alguém compra um bolo decorado, pra desdecorar e redecorar? Quem tem esse tempo pra perder? Por que cargas d'água eu tô vendo um vídeo de alguém que compra um bolo decorado, pra desdecorar e redecorar? Porque estou dando ibope para produção de conteúdo inútil? Quem tem esse para perder? Seria muito melhor ver vídeo de gatinho fofo, já que ninguém desfofa gatinho pra refofar.

O vídeo de redecoração do bolo decorado desdecorar, chega ao final com um bolo de balões amarelos e azuis, com a ajuda de uma espátula, transformado em um bolo impressionista a lá van Gogh. Uma tentativa de réplica de “Noite Estrelada” de estética duvidosa, e a pergunta que não quer calar na mente do espectador: Porque a criatura não comprou um bolo a lá Van Gogh de saída? Não há bolos Vangoghianos? Seria esse um nicho de mercado? Bolo pós-impressionista? Nesse caso, não seria melhor fazer vídeo de decoração desse tipo de bolo, em vez de descorar para redecorar algo que até já era bem bonitinho de início?

O momento de rush de pensamentos cotidianos parece ter sido afastado por motivo de indagação infrequente de “que merd@ é essa que eu tô vendo?!”. Essa é a hora propícia para pegar um livro e ler, antes que os pensamentos voltem a gerar congestionamento e antes que a mente dubia atribulada/ociosa se perca em um vídeo de gatinho fofo que não vai desfofar para refofar, mas ainda assim vai fazer com que o indivíduo deixe escorrer tempo de vida no ralo da inutilidade enquanto podia apenas ler e olhar com o rabo dos olhos para as próprias gatas que não desafofam.

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