A pontezinha do Sakae's

 

Não sei se os amantes do sushi com menos de trinta e cinco anos sabem, mas em uma Porto Alegre remota da década de oitenta, na época que telefone de discar era sinal de status, carro a álcool no inverno precisava ligar meia hora antes de querer sair e as crianças podiam andar na cachorreira dos automóveis, não tinha um restaurante japonês em cada esquina da pequenópolis. Na verdade tinha um único restaurante japonês que havia inaugurado no meio da década de 70, o Sakae’s comandado pela Sakae, uma japonesa vinda de Nagóia. Era um restaurante que as pessoas cultas, intelectualizadas, mais moderninhas, ou como se dizia na época, prafrentex frequentavam. Muito porto-alegrense conservador torcia o nariz para as iguarias orientais recém-chegadas. Meu pai era todo metido a gourmet, por anos escreveu críticas gastronômicas para alguns jornais da cidade sob o pseudônimo de M.E. Sailland, e um dos seus grandes divertimentos e investimentos era me tornar desde muito cedo uma pessoa que comia e apreciava de tudo. Por isso eu era uma grande fã de peixe cru desde essa época.

Amava ir no Sakae’s e meu pai ficava orgulhoso de eu ser uma das poucas crianças no ambiente a pedir sashimi em vez de um tempurá ou mesmo um yakissoba. Eu adorava a comida e a atenção que recebia por ser uma pequena aberta a culturas diferentes. A decoração oriental do local me encantava. Tinha especial fascínio por uma pontezinha sobre um laguinho, me lembro que eu achava o máximo e sempre queria passar por cima dela.

Quando conheci meu marido com meus vinte e poucos anos, ele ainda não havia sido seduzido pela comida japonesa. Sob a minha perspectiva, isso era uma falha palatável grave e pra esse relacionamento se tornar duradouro precisávamos superar esse nojinho sem fundamento. Cogitei convidá-lo para ir no Sakae’s, mas achei que eu corria dois riscos. O primeiro prejudicar, junto ao estabelecimento, minha fama de amante da comida japonesa, construída ao longo de uma vida inteira. Segundo, do meu então namorado não gostar de comida japonesa, porque no Sakae’s tem-se uma comida não ocidentalizada. Não vá lá querendo encontrar cream cheese, porque não vai ter. Logo, o primeiro contato dele com a comida japonesa não foi lá, e também não foi um sushi ou sashimi, assim, de primeira. Começou topando um yakissoba e fomos evoluindo. Quando ele já comia peixe cru sem preconceito, eu vivia dizendo que um dia o levaria para conhecer o Sakae’s: “o restaurante japonês mais antigo da cidade que tem uma pontezinha em um laguinho que é um amor”.

Em dada noite fomos lá. Chegamos e eu fui logo procurar a pontezinha e o laguinho. Quando cheguei na frente da pontezinha fiquei até constrangida. Ele me olhava e dizia: “Amor???É isso????” Provavelmente minha memória infantil me traiu e eu me deparei com uma ponte bem pequeninha que mais parecia da cidade oriental da Barbie ou da Polly, com um laguinho que se assemelhava muito a uma pocinha. Passado o impacto arquitetônico a conclusão foi que, pelo menos, a memória não havia me traído em relação a comida que continuava maravilhosa.

Essa semana descobri que o Sakae’s completou 50 anos e segue sob os cuidados da Sakae, que até minha vizinha já foi, e está com 84 anos. Essa semana meu pai completaria 80 anos, meu marido completará 43, acho que está chegando a hora de levar as minhas filhas para conhecerem a pontezinha. Desculpas para comer bem não me faltam! Vida longa ao Sakae’s, a Sakae, e ao meu marido que até hoje ri muito com a expectativa da pontezinha!

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