Férias entediantes

 

O que mais me fascina nas férias escolares é a mãe e o pai não terem férias escolares. Pelo menos não o tempo todo que dura o recesso escolar. As férias de uns se tornam o caos dos outros. Um caos bom, o pandemônio mais amoroso do universo, mas, ainda assim, uma baderna.

Quando eu falo que as coisas viram uma loucura, um lado meu se sente até culpado, porque estamos falando de uma realidade pós pandêmica onde o home office domina muitas vidas e facilita a organização familiar. Antigamente ainda precisávamos pensar com quem deixar as crianças e hoje em uma brincadeira de equilibrismo, pelo menos para parte de nós, vai dando conta do recado.

Só que não há lanche que de conta, não há programações domésticas que afastem o tédio de uma geração que está eternamente entediada esperando algo emocionante e surpreendente acontecer. A gente faz o possível para atender a demanda, entre uma tarefa e outra assiste a um capítulo de série, conversa, troca uma ideia, vê uns vídeos desinteressantes, dá tarefas domésticas, elogia um desenho e assim os dias vão passando.

Uma mãe quando está trabalhando por mais que esteja concentradíssima, sempre tem um ouvido atento para saber o que está acontecendo a sua volta. Por vez ou outra sua audição seletiva, aciona um botão de emergência em seu cérebro. Em alguns momentos é um diálogo inofensivo, mas de potencial desastroso que chama sua atenção. Ela mesmo em reunião consegue perceber quando ouve a distância:

- Claro que gato tem bunda!

-Não tem, não!

- Tem sim, não tem a banda da bunda, mas tem ânus. Ali ó aquele buraquinho é o ânus do gato que nem a bunda das pessoas, só que não tem a banda.

E nessa hora a mãe é obrigada a pedir um minuto, mutar a reunião, fechar a câmera para que ninguém possa ler seus lábios e gritar:

- Genteeeeeee!!!!! Não botem o dedo no c* da gata!!!!

- A gente só tá olhando, não tá encostando!!!!

E isso lhe transporta em uma viagem no tempo para umas férias na década de 80 em que ela e seus dois primos não tinham viajado e ficaram em casa, entediados inventando o que fazer. Os três desenterraram uma ninhada de cachorrinhos natimortos e quando algum adulto os surpreendeu eles brincavam animadamente com cadáveres. Foi mais ou menos na mesma época que descobriram que era possível fazer lança-chamas com bom ar e esqueiro. Também foi nesse período que aprenderam tirar os freios da caloicross para derrapar melhor (e tirar melhores tampas dos cotovelos e joelhos) e se não me engano foi nessas férias que alguém jogou um tijolo pra cima e caiu na cabeça de um dos três. Foram férias entediantes memoráveis.

Ok, talvez a anatomia da bunda da gata, sem exame de toque, não seja assim nada demais durante o recesso escolar.

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