A sina da mãe moderna

 

A sina da mãe moderna é tentar dar conta de tudo. Ela acorda já ligada nos 220 volts, porque sabe o que lhe atravessará assim que abrir os olhos e pronunciar bom dia pra quem quer que seja. Ela é consciente de que não precisa dar conta do universo que carrega nas costas, que pode deixar uma coisa ou outra para trás. A única coisa que ela não consegue ignorar é o julgamento de pessoas que não tem nada a ver com a sua vida, mas que se acham no direito de opinar sobre o que não é seu.

Meio da tarde e a mãe moderna que acordou no 220v, já tá estricnada de cafeína, de pensamentos, de demandas e é nessa hora que ela inicia uma reunião importante de trabalho no celular, porque o capitalismo selvagem não poupa ninguém e ela precisa matar um leão por dia, desviar das antas que aparecem no caminho e ainda por cima levar a pré adolescente da psicóloga para que tenha subsídio para lidar com esse mundo doido e acelerado. Quando está no meio da reunião ela cutuca a pré adolescente, fecha a câmera e faz mímicas para que a menina entre no carro. É dado o momento de sair de casa.

Elas entram no veículo e a reunião continua. A pré adolescente vai muda, sabendo da importância do momento e distraída jogando alguma coisa no celular. Elas chegam ao consultório, aquele mesmo que em cada dez consultas, sete é mãe moderna que leva a menina e nas últimas três foi o pai moderno que levou. Ela continua na reunião que tem previsão para acabar dali uns dez minutos. Dá a carteirinha do plano de saúde à pré – adolescente que é plenamente capaz de falar com uma das três secretárias que estão na recepção, enquanto ela de fones de ouvido tenta finalizar a reunião. Então, a pré -adolescente a olha com uma cara de quem não tá entendendo nada, a cutuca. Ela tira um dos fones e ouve:

- Mãe acho que a moça tá falando contigo. – e aponta para uma das secretárias.

A mãe moderna sorri em direção a funcionaria que lhe dispara:

- Tu é a mãe? É bom conhecer os dois, porque geralmente é o pai que vem, né?!

A mãe moderna tem vontade de dizer poucas boas pra recepcionista, do fundo do coração ela queria até partir pra a agressão física, mas se lembra que ali é um consultório de psicologia, além do mais ela está em reunião e precisa dos parcos reais que dali vem. Se comunica por olhar com a pré-adolescente que está tão perplexa quanto ela, coloca o fone de ouvido de novo e segue a reunião. Faz uma nota mental de nunca mais sorrir para aquela diaba daquela recepcionista, talvez fazer algum comentário que desabone sua aparência na próxima vez que a vir, roga todas as pragas possíveis e escreve uma crônica em homenagem a sua debilidade e seu comprometimento em perpetuar o machismo estrutural, sem nem saber o que significa.

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