Ali mora um folhetim

 

Eu acho muito interessante o conceito da pessoa que nasce, cresce, vive e morre no mesmo lugar. Eu nem falo de cidade, eu falo de bairro ou casa mesmo. Um tempo atrás conheci uma moça no meu bairro, que nasceu a duas ruas de distâncias da rua onde moro, estudou na escola que fica há duas quadras da minha casa, casou com um colega de colégio que também morava no bairro, eles moram na casa que ela sempre morou, tem duas filhas que estudam no colégio que eles estudaram, ambos sempre trabalharam no bairro, e ela me confidenciou que não imaginava morar em outro lugar. Eu, sem compreender o conceito, perguntei se em outra cidade e ela me disse que não conseguia se ver vivendo fora do bairro mesmo. Cabe aqui uma observação: a região da cidade que moramos é pequena e distante do centro.

Conforme conversávamos fui descobrindo que assim como ela, existem outros vários dela. Boa parte da vizinhança, daquelas pessoas que eu por nove anos pensava que estavam apenas vivendo ali, vivem os enredos do bairro. Achei interessantíssimo!

Nunca tinha me ocorrido que havia por trás toda uma trama. Por exemplo, essa moça não gosta das filhas da minha vizinha de porta, porque elas foram todas colegas de colégio e brigaram na época. Também fiquei sabendo que uma senhora que é proprietária de vários imóveis da região alugou uma casa para uma outra abrir um salão de beleza, sem saber que a inquilina flertava com o marido dela. E tem até história de padre, recentemente mudou o pároco e ele não gosta do mulherio conversando no salão de beleza que tem na frente do santuário, diz que ele também acabou com todas as obras de caridade da igreja (aquelas que eu nem sabia que a paróquia fazia) e fiquei chocada ao saber que padre tem secretária, nunca tinha me ocorrido que a igreja funcionava tal qual uma empresa. Outra informação que apurei foi que a senhora que morava a duas casas de distância da minha (que eu não tenho a menor ideia de quem seja) morreu de câncer de intestino, uma coisa bem rápida, porque ela demorou a fazer os exames. Todo mundo sabe que o maluco que ronda a rua e é gago, já foi preso mais de uma vez pela lei maria da penha. Conversa vai, conversa vem, não fosse o frio, tava começando a achar que eu tinha me mudado há quase uma década para Santana do Agreste. Aos poucos fui me dando conta que eu era uma estrangeira no local, porque afinal morador do bairro é quem mora há mais de trinta anos ali e acompanha os enredos diariamente.

Passado alguns dias estou eu na academia, quando entra uma nova aluna, já conhecida das professoras, eu nunca a tinha visto na vida, me apresentaram a senhora e ela sorrindo me disse: “Eu te conheço, tu é minha vizinha, moro na tua rua”. Pensei: Pronto, sou o personagem estrangeiro e observado, as pessoas já me conhecem! Sorri, simpaticamente. Ela descreveu a minha família inteira, o que me deixou um pouco mais desconfortável, ela deve ter percebido e emendou: “Sabe o que é? É que a minha casa é mais pra cima da rua, então eu passo na frente da tua e tu não passa na frente da minha.”

Segui meus exercícios pensando se devo fugir da trama ou quem sabe sigo como estranha observadora externa e escrevo o folhetim?

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