Carta à psicóloga do meu marido

 

Bom dia!

Eu podia vir aqui dizer que você está fazendo um bom trabalho, mas acho que isso é que nem elogiar jogador de futebol que faz gol. Além de que a exaltação só a você seria injusto com a minha psicóloga e a psicóloga da nossa filha, afinal esse time que, não obrigatoriamente, entra em campo ao mesmo tempo tem tido bastante sucesso junto. Vencemos uma pandemia e atravessamos uma reforma com muita paciência, algumas discussões sobre cor de parede e padrão de azulejo, mas nada que nos tirasse do nosso projeto de vida conjunto.

Deixa eu te contar, tenho tentado ser um pouco menos controladora, venho trabalhando isso com a minha psicóloga. Meu lado gerentão da família não nasceu assim do nada, na verdade os entes queridos foram se omitindo, eu fui tomando as rédeas do negócio, o que era interessante para essa minha vertente controladora. No entanto, as coisas tomaram tal proporção que eu estava sobrecarregada, estafada, cansada, exausta e desde que me dei conta disso tenho feito um trabalho contínuo de tentar soltar as rédeas e deixar as outras pessoas da família se virarem com seus próprios problemas e assuntos comunitários.

Quando o office invadiu o home, foi bom por um lado. As coisas ficaram mais práticas de organizar porque não envolvem tantos deslocamentos, mas também se misturaram um pouco. Com o tempo todos nós conseguimos nos encontrar nessa nova forma de viver. Nos organizamos tão bem que passamos a fazer terapia online, cada um a sua. Acho que as tele consultas vieram para ficar, o que é ótimo, afinal perder tempo no trânsito é uma coisa que desestimula o tratamento.

E é exatamente nesse ponto que eu quero chegar onde o atendimento online e meu esforço para ser menos controladora se encontram. No meu horário com a minha psicóloga eu aviso aos quatro ventos toda a comunidade da casa que estarei em terapia. Vou pro quarto das crianças e todo mundo sabe que não é pra entrar, pois estou no meu momento.

Dito isso, gostaria de deixar claro que às vezes que invado o escritório e meu marido está em sessão, não é controle, pelo contrário é resultado da reforma da casa somada a minha tentativa de não ter controle. O escritório que dividimos, onde ele faz a terapia, é na entrada da nossa casa. Não conseguimos entrar pela porta da frente sem passar pelo cômodo. Eu não sei o horário da terapia dele justamente porque estou tentando não ser tão controladora. Então, quando eu abro a porta da casa bem animada e me deparo com ele na sessão online pode parecer nem precisar de Freud para explicar. Ele me faz aquele olhar: você está invadindo meu espaço, eu me lembro da terapia e engato uma constrangida marcha ré.

O que acontece nesses dias e talvez não fique explícito para quem esta do outro lado da tela é que eu estou voltando da única aula semanal que dou fora de casa e quando estou saindo aviso: “to indo dar aula na escolinha”, eu poderia receber de volta um “Não esquece de não entrar pela porta da frente que eu estarei em terapia”, mas nada é dito. Eu, por exemplo, acho que nessa ausência de resposta nem precisa de Freud para explicar. Como cresci ouvindo isso, eu sei que burro não se encosta em vaca. De qualquer forma estamos tentando evoluir como espécime que se apoia e faremos um esforço conjunto ele de me lembrar da terapia dele que eu não tenho obrigação de saber o horário e eu de não esquecer da terapia dele que eu não tenho obrigação de saber o horário, mas acontece sempre no mesmo horário e nossos inconscientes, cheios de consciência nos deixam na mão.

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