Bate Kombi

 

Acredito que uma das fases mais difíceis de um ser humano é a dita pré adolescência. Se na adolescência não somos nem crianças, nem adultos, na pré adolescência não somos nem crianças, nem adolescente, nem adultos. Ou seja, somos um grande nada tentando encontrar um espaço no mundo. Sem contar a questão física, as pernas e o braços crescem rápido de demais e há uma completa incapacidade de lidar com o que aquele corpo se tornou do dia pra noite. Também surgem as espinhas, se tem a oleosidade na pele de um adolescente unido a incapacidade de higienizá-la sozinha de uma criança. É no mínimo uma fase complexa.

Esses dias pedi pra professora da minha filha me mandar uma foto da turma para uma comemoração de fim de ano. Às caras das coisas que queridas de onze anos era algo: um misto de acne, aparelho, mal humor e dedinhos de paz e amor.

Conectar-se com alguém dessa idade também é difícil. Para mim é um esforço diário. Minha filha se pudesse passaria o dia jogando no celular, eu nunca gostei de jogar nada. Tento me inteirar do que acontece nos jogos, mas também não quero ser meio ridícula. Às vezes convenço ela, com muita chantagem emocional, de fazer um programa comigo, mas tem que insistir pra tirar ela de dentro da concha digital que se cria ao seu redor.

De uns tempos pra cá ela deu pra fazer uma brincadeira quando estamos no carro. Chama “bate kombi, bate fuca”. Cada vez que passamos por uma kombi ou um fuca tem que bater no outro e dizer bate kombi (se for uma kombi) e bate fuca (se for um fuca). Sempre que eu estou distraída, fazendo listas metais de mil coisas que preciso fazer, ela começa a brincadeira e eu como estou prestando atenção no com trânsito, pensando nas compras que eu vou ter que fazer, nas contas que eu tenho que pagar, no portão que precisa arrumar, no vidraceiro que eu esqueci de ligar e outras mil coisas, perco de lavada.

Esses dias estávamos no carro indo ao médico, ela estava distraída olhando pela janela, com cara de bunda como é tão comum nessa idade, com certeza emburrada por uma besteira que para ela devia ser uma tragédia. Tentei manter um diálogo e recebi as respostas mais vagas possíveis. Assim que vi a primeira kombi, bati no braço dela e gritei a plenos pulmões: bate kombi!!! Ela olhou pra mim surpresa, sem saber se ria ou ficava brava. Assim, como todas as pessoas da idade dela, optou por ficar de cara amarrada e me respondeu com desdem que nem tava brincando. Dali a pouco veio um fuca, bati no braço dela e gritei mais alto: bate fuca! Nesse momento algo penetrou naquele coraçãozinho mal humorado e ultrassensível, ela começou a rir, mas eu não estava para brincadeira, estava para jogo e ganhei de lavada, cantando “We are the champions laralá laralá” pra dar ainda mais emoção a minha vitória. Arranquei risadas, e também uns “Mãe tu é doida”.

Tem horas que é difícil se conectar com esse ser que não é grande suficiente, mas já é grande demais. É difícil saber o limite do espaço a se dar e do espaço a ser ocupado, mas tem algo dentro da gente que sabe direitinho a hora que é preciso invadir e se estabelecer seja pela diversão, seja pela bronca ainda que tantas vezes a gente se questione se tá fazendo a coisa certa, embora eu tenha sérias dúvidas em relação aos conceitos de certo e errado na criação de seres humanos.



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