As tias do Zap

 

Estou eu em uma manhã ensolarada de quarta feira na minha academia de velhinhos, que não tem nem espelho pros marombas se olharem e os alunos são basicamente pessoas preocupadas com a sua saúde, não com seu formato. Fazia exercício na rua e três jovens com idades variando entre 70 e 90 anos, estavam na parte interna do estabelecimento, quando ouço Regine (nome fictício, baseado em fatos reais), uma senhora alta, elegante muito distinta que usa óculos de strass e às vezes ostenta uma bolsa Channel, segundo ela basiquinha para ir na academia, dizer:

- Vocês ouviram falar da morte do Lula?

Meu radar anti fake news fez plim no meu cérebro, me alertando que a elegante e simpática senhora era uma tia do zap. Por sorte, eu estava na rua e ela na parte interna, assim eu não ficava obrigada a desmenti-la, podia apenas ser espectadora do que seguiria. Até porque honestamente tem certos absurdos que eu não tenho mais saco de desmentir. A última vez que tentei amigavelmente colocar algum juízo na cabeça de uma colega de academia tia do zap, a Helene (também nome fictício, baseado em fatos reais), acabamos semanas depois nos encontrando no aniversário do neto dela que, por coincidência, é colega da minha filha mais moça e ela só cumprimentou meu marido, ainda fez questão de dizer que de mim ela não lembrava. Ok, talvez no meio da minha argumentação eu tenha perdido a paciência, mas foi só depois que ela me disse que ser a favor do aborto era o mesmo que ser a favor de matar minhas filhas.

Mas deixemos Helene para trás e voltemos a Regine. Os outros dois velhinhos que estavam próximos a ela, meio chocados, responderam que não tinham ouvido falar de nada. Então, ela continuou.

- Morreu domingo, já saiu notícia até em Buenos Aires! Só tão segurando a informação aqui, porque se esperarem até sexta é o vice dele que vai assumir a presidência. Se soltarem a notícia agora quem assume é o segundo colocado.

Respirei fundo, quase pedi mais peso pra professora para não ter forças para falar. Só porque eu estava na rua e ela dentro, consegui com muito esforço me manter como ouvinte e ela seguiu propagando a fake news.

- Diz até que o sexto andar do Einstein tá todo fechado. Ninguém entra, ninguém sai até o dia que o vice vai poder assumir. Tão manipulando isso também!

Nessa hora eu já tinha a mais absoluta certeza que, embora minhas cordas vocais vibrassem querendo emitir sons e dizer para Regine que ela precisava ser banida do whatsapp, ainda que meu dedo quisesse achar ela nas redes sociais só pra denunciar seu perfil, o mal pelo qual ela tinha sido atingido não tinha cura. A adição em fake news é quase como o crack, por vezes um caminho sem volta. Sem contar as lesões que causam no cérebro de seus usuários O órgão mais importante do corpo humano fica parecendo um queijo suíço, incapaz de fazer conexões básicas.

Por sorte, um senhor que ouvia Regine, não resistiu e lhe disse:

- A senhora sabe o que eu vou lhe dizer nem é sobre política, nem gosto do Lula, mas com a velocidade de comunicação que tem hoje, a senhora acha mesmo que uma notícia estaria sendo veiculada aos quatro ventos em Buenos Aires e aqui não saberíamos de nada?

Pobre senhor, tentou fazer o cérebro de Regine pegar no tranco, mas os relé já tão tudo colado, não tem jeito. Ela seguiu argumentando que tudo era uma armação para o Bolsonaro não poder ficar na presidência. A partir desse momento eu peguei um peso bem pesado, abstraí a conversa apocalíptica, completamente sem lógica e segui com meus exercícios. Daquele dia em diante nunca mais olhei para Regine, para sua elegância, para sua finesse com os mesmos olhos. Pobre Regine perdeu o charme pra mim, nem os óculos de strass, que talvez até sejam Givenchy, eu invejo mais.

Comentários

  1. Topei com a mesma senhora outro dia dizendo q ia ter uma guerra civil.

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