A forja da mãe

 

Ninguém se torna mãe do dia para noite. Quando uma criança entra na sua vida, ela na passada não liga um interruptor que te torna mãe. Esse é um ofício que vai sendo moldado com o tempo, com a experiência. Eu cada vez mais tenho certeza que um dos elementos que ajuda a forjar, lapidar, esculpir uma mãe é o vômito. Acho que a acidez do suco gástrico vai aos poucos corroendo as nossas arestas, dissolvendo os nojinhos, polindo as partes rugosas mesmo as internas e nos tornando esse ser nada divino, totalmente mundano e necessário.

Uma das primeiras coisas que o bebê faz é vomitar. Aquele vomitinho de leite, meio coalhada, iogurte. Nas primeiras vezes que isso acontece com uma mãe novata, ela corre pra trocar de roupa. Imagina ficar vomitada! Conforme as “golfadas” se tornam frequentes, a gente começa a dar uma limpadinha na roupa, passar um paninho e seguir o baile. No entanto, chega um momento do caos e da correria que quando você se dá conta já tá indo ao supermercado fazer compras com vomitinho de coalhada, sem nem ter passado um paninho, pensando que tá tudo bem. Nesse dia você atingiu mais um nível do seu treinamento. Quem é capaz de sair com a roupa coalhadinha, já tá apta a limpar ranho na manga do casaco ou na barra da camiseta. E daí em diante o treinamento vai ficando mais árduo.

Me lembro quando minha filha mais velha vomitou pela primeira vez em mim depois que ela já comia papinha. Ela devia ter uns 11 meses, estava meio estranha, não se acomodava para dormir. A coloquei no meio da nossa cama para eu poder cochilar, passado alguns minutos, ela sentou e vomitou na minha cara. Eu assustada, abri meus olhos para cutucar meu marido, mas devido a acidez, meus olhos começaram a queimar. Cegada por pedaços de cenoura e batata semi digeridas desisti de cutucar alguém na madruga, comecei a gritar para aquele que dormia feito uma pedra ao meu lado e que acordou no susto já dizendo: Calma, calma. Ninguém jamais deveria dizer calma para alguém que foi vomitada na cara, porque a calma não volta para aquele corpo antes de um banho, antes de descolar as cenouras e os pedacinhos de frango do cabelo. Naquele dia, mais uma vez passei por outra fase que ficou bem clara para mim. Aquela neném estava no meio da cama, ela podia ter vomitado tanto em mim, como no pai, mas ela me escolheu para vomitar. Logo eu, que já tava ali acordada cuidando dela a horas e quando eu dei uma cochilada ela praticamente me disse “Te liga, mulher! Não to passando bem” . Acho que eu preferia que ela tivesse me dito com essas palavras e não com o vômito, mas ela não sabia falar e talvez não tivesse o mesmo efeito no treinamento.

Nos últimos dez dias passei por mais uma fase da forja à vômito. Fomos brindados com o rotavírus vindo da escolinha. Cinco dias de muito vômito e diarreia em uma criança pequena. Toda aquela preocupação para que ela não ficasse desidratada. No dia que ela ficou boa e foi para a escola, a criança maior começou a vomitar e não pode ir mais à escola. Logo pensei: Ok, vamos mais uns cinco dias limpando vômito e cocô. Mas então, em uma manhã ensolarada, eu senti a primeira náusea e os dias que se seguiram foram de mais um módulo de aprendizado no meu árduo treinamento: priorizar o vômito da criança, enquanto o seu sobe e desce pela boca até conquistar o direito de ser libertado. Definitivamente, o passar mal materno é secundário nessa relação de cuidado, afeto e poder.

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