Sem bobes e vestido floral

 

Eu queria entender qual a magia que se apodera das pessoas que gostam de fazer algumas tarefas domésticas. Acho lindo quando alguém diz: gosto de lavar louça ou gosto de arrumar a cama. Simplesmente não compreendo esse ser humano.

O problema da tarefa doméstica nem é ela em si, mas sim a repetição. Por mais que você goste de cozinhar, quando precisa cozinhar todo o dia vai ficando meio sacal. Louça, a gente termina de lavar e começa a sujar. Eu depois que lavo a louça tenho vontade de tomar água da bica só pra não sujar copo. Não fosse minha consideração pela fauna marinha juro que usava tudo descartável.

Em uma casa com várias pessoas sempre há um alguém que assume mais coisas do lar que os outros. Seja por uma configuração que a família estabeleceu, seja por uma sociedade patriarcal milenar, onde mulheres galgaram muito para chegar aos mercado de trabalho e ainda hoje ganham salários menores que homens, ou muitas vezes são “menos” interessantes para o sistema por ene motivos geralmente são elas que abraçam esse papel doméstico. Há quem “ajude”, mas até a ajuda às vezes gera mais demanda do que auxílio propriamente dito. Por exemplo, de que adianta tirar o lixo do banheiro e não colocar o saco novo na lixeira? Nada, porque você tem certeza que tá tudo feito senta na privada, faz cocô e não sabe o que faz com a porcaria do papel sujo. Coloca na privada? E se entope? Daí você terá que desentupir? Coloca na lixeira sem saco? Mas daí você vai ter que limpar a lixeira suja de cocô depois. Talvez você grite para alguém trazer a sacolinha, talvez ninguém te ouça, talvez você saia de calça abaixada e vá até o lugar das sacolinhas.

Unido ao papel de pensadora e executora das tarefas também assumimos, consequentemente, o papel da fiscalizadora da bagunça e dos afazeres dos outros. Quem nunca disse um: Não suja isso que eu acabei de limpar ou não mexe nisso que acabei de arrumar, vive a vida doméstica nutella e não raiz.

Eu confesso que quando limpo a casa, encho o saco de todo mundo, ainda que isso não pareça comover os outros habitantes como eu gostaria. Mas nada me dá mais raiva quando eu limpo e eu mesma sujo. Essa semana limpei o chão da cozinha, menos de duas horas depois fui abrir uma garrafa de coca cola meio congelada, ela explodiu e sujou tudo. Por sorte era refrigerante zero que não mela, só suja mesmo, mas como eu desejei que não tivesse sido eu a fazer aquela m*rda! Se fosse qualquer outro alguém eu poderia ter xingado, reclamado, mandado limpar, mas fui eu, eu mesma. Como descontar esse ódio que sobe no coração da gente? No fim acaba sobrando para os entes queridos mesmo que eles não tenham feito a besteira, pelo menos não aquela ali. A gente meio que vira a louca, todo mundo momentaneamente se padece do surto e dá uma “ajudinha”, porque no fundo sabe que a gente vira a louca por uma sobrecarga enorme.

Não uso bobes, nem vestido floral, mas em alguns momentos aflora em mim a Dona Hermínia, do saudoso Paulo Gustavo. Tem dias que sou tão clichê e tão fruto dessa sociedade que minha filha vê o filme “Minha mãe é uma peça”, me olha com o rabo dos olhos e dá gargalhadas.

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