Meda

 

Um dia chuvoso duas crianças calmas, sem brigar, jogando videogame. Baita poder esse que a tecnologia tem de nos alienar de tudo, até das tradicionais brigas entre irmãs. Então, no silêncio nada comum da casa, ecoa um:

            - Manhêeeeee!!! Dá pá dizê meda? Ou não dá pá dizê meda?

            - Não dá pra dizer merda. - respondo

E nesse momento o silêncio, a paz e a calmaria se transformam em um chororô sem fim. Como se algo a tivesse atingido. Um lamurio muito maior do que o de um tapa ou um puxão de cabelo. Os gritos não me dão espaço para perguntar o que aconteceu, mas nem precisa.

Provavelmente enquanto jogavam a pequena deve ter dito “meda” por alguma intercorrência do jogo, acredito que não tenha sido nenhum “vai a meda” para a irmã, mas essa cumprindo seu papel de irmã mais velha, que inclui corrigir todas as coisas que a mais moça faz como se fosse uma mãe, ainda que seja lembrada constantemente que aquele pequeno ser encrenqueiro já tem mãe, deve ter dito que não podia falar merda. Isso gerou um desconforto na espantosa momentânea harmonia da dupla e consequentemente uma disputa, logo a pequena veio se certificar comigo, aquela toda poderosa que dita regras diuturnamente, se podia ou não falar merda. Quando eu confirmei que não podia, dei o prêmio de vencedora à mais velha. O que gerou a infelicidade da mais moça. É muito difícil agradar gregos e troianos.

Depois que o choro diminuiu e a pequena infratora estava disposta a conversar. Reforcei que criança não pode falar palavrão. Ela pensou um pouco e perguntou: 

- Nem puta meda, pode?

     Respondi que nem puta merda tava valendo. Então, veio o argumento que elas sempre tentam usar: 

             - Mas você e o papai falam! 

            - Sim, mas porque somos adultos. Mamãe toma vinho e nem por isso tu pode tomar

Meu marido, com pena, disse pra ela: 

- Papai e mamãe tem que falar menos palavrão.

Eu que já estava de saída do cômodo virei e disse: 

- Fale por ti, não está nas minhas resoluções para 2022 ser menos desbocada. Eu, adulta, brasileira, com consciência de classe e esclarecimento, não tenho a menor condição emocional de diminuir o vinho ou os palavrões.

Desde então tenho até repensando se não posso liberar só um “meda” de vez em quando para aliviar o meu lado e o delas também. Afinal é Brasil, é 2022, é ano eleitoral, é inflação. Tá difícil e o palavrão expressa o sentimento com maestria.

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