Pinguim se mudou para Porto Alegre

 

Há muitos imóveis à venda no bairro onde moro. Na verdade, estão para qualquer negócio. Há placas para venda e aluguel aos montes. Umas das casas nessas condições me chamava a atenção por ser de esquina e não ter grade em volta. Quem mora no Brasil, quase não entende o conceito de casa que não seja cercada. Depois de mais de cinco anos a tal casa foi vendida.

Um dia enquanto estava com as minhas filhas na pracinha vi de longe o novo morador saindo de lá. Um senhor que embora não usasse cartola e guarda-chuva, parecia o Pinguim, arqui-inimigo do Batman. Caminhava igual, com os pés dez para as duas, era baixo, barrigudo, tal qual um pinguim. Será que o Pinguim teria se mudado de Gotham City para Porto Alegre? Por um lado seria até bom, isso explicaria em parte os altos índices de criminalidade da cidade, em especial na periferia, agora seria só emitir o batsinal e esperar o Batman chegar para acabar com a guerra do tráfico que assola a capital gaúcha.

Naquele dia que eu avistei o Pinguim ele atravessou a praça, concentrado em si mesmo, não cumprimentou ninguém. E desde então ele já passou inúmeras vezes por mim sem dizer nem um "bom dia" ou "boa tarde", sejamos honestos, eu também não o cumprimentei em nenhum momento. Geralmente o vejo indo para a padaria e voltando com uma sacolinha de pães. Quem diria que o Pinguim compraria pão na padaria do bairro!

Uma manhã dessas me arrumava para sair com minha filha para levá-la para escolinha, já estávamos praticamente prontas, quando avistei o Pinguim se aproximando trajando uma camiseta promocional da prefeitura da cidade, acho que para ficar bem disfarçado. Dessa vez ele parou, não deu bom dia, apenas me perguntou:

  • A senhora sabe, eu sou muito curioso e passo sempre aqui na frente. Então, deixa eu lhe perguntar uma coisa: Por que os sapatos na frente da porta?

Confesso que fiquei confusa, Pinguim nunca falou comigo, do nada sem nem bom dia, sai perguntando dos sapatos da minha família na frente da porta da minha casa. Sim, temos o hábito de deixar os sapatos na rua. Sim, não somos organizados e fica uma bagunça. Não, os sapatos não ficam na calçada, ficam na porta da minha casa que está a uns 2 metros da grade que delimita nosso espaço com o passeio público.

Meio desacreditada da abordagem do vilão de Gotham City, sem esboçar grandes reações além de uma certa perplexidade, respondi:

  • Por causa da pandemia?!

Ao que ele complementou:

  • Ahhh, para não entrar em casa!

E assim saiu andando com seus pés dez para duas e o balanço típico dos pinguins. Eu fui até a escolinha da minha filha pensando nas inúmeras respostas melhores que eu podia ter dado e perdi a oportunidade pelo inusitado do ocorrido. Podia ter dito que ele não era curioso e sim metido. Podia ter perguntado como era viver em Porto Alegre depois de Gotham City. Podia até ter perguntado para ele o que tinha a ver com isso, mas perdi o Timing. Me ocorreu também que ele jamais perguntaria para o batman sobre os sapatos na frente da batcaverna, aliás tenho a impressão que ele não teria perguntado nem sobre os nossos sapatos para o meu marido caso ele estivesse saindo, afinal aos olhos de uma estrutura social ultrapassada como a que o Pinguim está habituado a organização de sapatos de uma família deve ser uma função feminina.

Pinguim segue passando todos os dias para buscar pão na padaria. Segue não dando bom dia e eu traço planos de juntar todos os sapatos familiares e espalhar por todo o jardim.

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