Let it go

 

Depois de dois anos entrei em um salão de beleza para fazer as unhas. Roo unhas desde criança e começava temer ter que amputar as pontas dos dedos, tal era a situação calamitosa que minhas falanges se encontravam. O salão estava vazio e uma simpática manicure que eu nunca tinha visto na vida me atendeu.

Passado alguns minutos que ela tinha começado minha unha, uma outra cliente chegou. Uma moça de beleza toda certinha, cabelos longos progressivamente escovados e alinhados, com extensão de cílios em dia, levemente maquiada, roupa toda combinadinha, devia ter uns 30 anos e pela recepção das pessoas que trabalhavam no local, era habitué. As manicures comentaram que, durante o final de semana, tinham visto ela acompanhada pelo seu “príncipe” no café que fica na frente do salão. Comecei a ficar inquieta na cadeira, pensando onde o príncipe estacionava o cavalo.

A moça sentou e começou a fazer a unha. Elas seguiam conversando animadamente, ela contando que semana que vem já ia visitar o “príncipe” (pelo que entendi ele era estrangeiro) e esperava não perder a conexão dessa vez, pois no mês passado foi péssimo ter que ficar esperando tanto para chegar ao destino. A plebe vibrava com as histórias dela e a moça sorria para mim querendo me incluir na conversa, talvez me convidando para participar da plateia animada da vida de conto de fadas dela. Logo eu, que simpatizo tanto com as bruxas boas e más.

Comecei a mexer no celular como recurso de fuga do bate papo. Não tava afim, mas segui com minhas orelhas em pé, porque não consigo resistir a uma conversa alheia. Nem que seja para desdenhar mentalmente do assunto. Essa sou eu, não quero participar daquilo, mas não vou perder de ouvir o que pensam as princesas.

Lá pelas tantas a manicure que atendia a moça, perguntou para ela se a semana estava muito corrida em função do feriado e da viagem. A princesa assumiu um ar sério, quase de uma especialista, uma PhD no assunto e disse severa: Sabe? Estava lendo sobre isso hoje antes de vir pra cá. A gente não deve dizer que a vida tá corrida, mesmo que ela esteja. Se dizemos, o nosso cérebro entende que tá corrida e ficamos mais estressados.

Eu que estava ali lidando com os meus algoritmos, pensei: será que ela pensa que nosso cérebro funciona tal qual a internet, que se pesquisamos esponja de aço não para de aparecer anúncio de bombril, assolan e etc?

Tirei os olhos do celular, para ver se ainda faltava muito para acabar minha unha. Olhei para o ambiente, a moça me acolheu novamente com um sorriso como se tivesse jogado gotas de sabedoria de positividade tóxica no ar, através de uma grande revelação. Tive vontade de cantar "Let it go”, mas me contive.

Faltava um pouco ainda para a minha unha acabar. Voltei para o meu celular, para minha internet, para o meu algoritmo, para minha bolha, odeio dizer isso, mas ela às vezes é bem mais acolhedora que alguns cérebros de suprema sapiência de procedência duvidosa.

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