Esperança um medicamento de uso contínuo

 

Leio que o ministro da educação é o novo pior ministro da história do país. Favorecia pastores. Há indícios de corrupção. Não fico surpresa. Parece esse ser o novo normal de um país completamente anormal. Às vezes o chorume desse governo escorre de forma tão corrente que faz a gente perder a capacidade de se indignar com o inaceitável. Nada de novo no front.

Começa o Lollapalooza. Nunca me liguei no festival. É longe, a inflação e a economia doméstica não permitem considerar a possibilidade de participar de algo assim. Primeiro dia tem Pabllo Vittar, eu leio em algum lugar. Não é o tipo de música que eu costumeiramente ouça.

Algumas horas depois às redes sociais bombam com Pabllo correndo com a toalha estampada com a foto de Lula. Reconheço a toalha. Não era a mesma que há pouco tempo um banhista levantou atrás de uma reportagem da Globo em alguma praia carioca? Me animo! Queria eu estar no show da Pabllo nessa hora. Queria eu estar no Lollapalooza nesse momento. Queria eu ter a ousadia de não me abalar e acreditar que as coisas melhorarão. Dou pulinhos internos de animação.

Encosto na criança ao meu lado e a sinto quente. Febre? Sim, febre! O fantasma da covid assombra meus pensamentos. Tento racionalizar. Pode ser qualquer vírus. Lembro que qualquer vírus inclui coronavírus. Penso que na maioria das crianças não acontece nada de mais. Lembro que semana passada ela argumentou que queria levar um brinquedo maior para escola e eu disse que não, ela me disse que todo mundo levava e eu disse que ela não era todo mundo. Seguindo o raciocínio maluco de uma mãe pandêmica, se ela não é todo mundo, logo pode não ser a maioria.

A febre baixa. Não deve ser covid. O Tribunal superior eleitoral proíbe manifestações políticas no Lollapalooza. Não fico surpresa. A febre sobe. Será covid? Ela não vai poder ir na escola e eu não vou poder ir à academia. Não gosto de fazer exercícios físicos, os encaro como remédio de uso contínuo. Saudade de quando tudo era virose sem importância em um estado democrático de direito. Eu tenho febre. Certo que é covid! Meio grogue vejo que a primeira banda a se apresentar no segundo dia de festival é a Fresno. Fresno não faz minha cabeça. Fresno coloca no telão um grande “Fora bolsonaro”. Fresno faz a minha cabeça. Acho que depois disso a minha febre até baixa. A pequena segue com febre, com “coisa de criança que vai a escolinha” que eu sei ser necessário, mas que às vezes me deixa pra lá de insegura.

Sob ao palco Emicida. Emicida eu gosto. Emicida me traz a sensação de um país possível. Ele não me desaponta e chama o “fora bolsonaro”. E assim vão passando mais e mais artistas trabalhados na desobediência civil que o momento pede. Nós não temos mais febre, a criança tem dor de garganta. Será covid? E a minha febre? Foi de desesperança, de nervosos, de covid?

Leio aos risos que o mandato que proibia manifestações políticas no Lollapalooza não é válido porque o partido do despresidente errou o CNPJ do festival. Praticamente uma síntese do governo vigente: autoritarismo, incompetência e incapacidade técnica. Mais uma notícia e vejo que o ministro da educação foi demitido. Recebo um whatsapp da escolinha avisando que tiveram casos confirmados da síndrome pé-mão-boca. Olho para as mãos e pés da minha filha e vejo bolinhas. Passo a língua pelos meus lábios e percebo leves bolinhas. Parece que tiraram de cima da minha cabeça uma bigorna. Comemoro animadamente, me sinto até bem jovial sendo levemente tocada por um vírus que comumente atinge crianças com menos de 5 anos! Quase uma comprovação de que também não sou todo mundo. Esperança que se renova, não sei por quanto tempo. Nesse país, a esperança, tal qual exercício físico, precisa ser encarada como medicamento de uso contínuo.

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