Adeus ao meu sofá

Meu sofá teve falência múltipla das espumas. Não posso me dizer surpresa, ele já vinha dando sinais de sua debilidade. Já veio para nós de segunda mão. Resistiu bravamente a tanto! Duas gatas e nenhum arranhão, graças à canfora que eu lhe aplicava de tempos em tempos. Uma cachorra fedorenta que quando chovia se refugiava nele. Resistiu até a covid, mas não resistiu a nós durante a pandemia. Três adultos, horas e horas com suas bundas nos mesmos lugares. Duas crianças usando ele como um pula pula, ainda que tivessem um pula pula de verdade. Foi demais para sua já avançada idade.

Sem querer ser clichê, nem pretensiosa, mas já sendo, esta é uma crônica de uma morte anunciada. Só quem já fez um orçamento com um estofador, sabe como é doloroso dar adeus ao sofá e concluir que, economicamente falando, para uma família com o orçamento justo, vale mais a pena produzir lixo  para as tartarugas se enroscarem do que recolocar espuma em um móvel mais antigo. Ainda que a consciência ambiental fique se arrastando pelos cantos.

Depois de constatada e assimilada a ideia que não havia mais solução, precisávamos nos desfazer do nosso fiel escudeiro e grande amigo da televisão, então veio o problema seguinte. Como se livrar do dito cujo? Há lugares para doar, mas então te perguntam da situação do sofá, você fala da questão da falência da espuma e já o rejeitam. Quem sabe botar no lixo? Mas daí tem que agendar uma coleta especial e pagar uma taxa bem mais cara que o próprio valor do móvel. A resposta foi se afundar na solução capitalista e vendê-lo na OLX por meros R$80,00. Meu anúncio não ficou nem vinte quatro horas no ar e ele já tinha sido vendido. É incrível como há quem compre um sofá velho com a espuma detonada, mas não há quem o queira de graça. Pensei, talvez fosse pela dificuldade de transportá-lo, afinal é um sofá de cinco lugares retrátil daqueles em L.

Ontem a feliz nova dona do meu antigo sofá, que estava ciente das questões da espuma e só se preocupava em ele não estar rasgado, veio buscá-lo. Eu pensei que ela viria ao menos com uma kombi ou camionete grande para o transporte. Eis que a moça e seu marido chegam com um pálio. Eu fiquei olhando, quase chocada, pensando como eles enfiariam um sofá cinco lugares, com dois módulos, em um carro tão pequeno, mas não falei nada. Afinal o que eu queria é que ele fosse embora, se o comprador ia levar a pé ou de jegue não me dizia respeito. Atônita vi os dois empilharem o sofá em L em cima do pálio de forma que o carro parecia ter dois andares. Os dois pagaram, agradeceram e se foram. 

Quando o carro deu partida, fiquei olhando da calçada com certa estranheza, aquele pálio dois andares indo embora. Parecia aqueles veículos que a gente vê em vídeo da índia. Lembrava aqueles carros que, nos anos 80, iam para as praias de beleza discutível do litoral gaúcho, só que ainda mais entulhados. Por um minuto me perguntei se do plano real pra frente tudo não foi uma grande ilusão e na verdade nunca saímos da década de 80. Peguei um encarte que tinham deixado na caixinha de correio. Vi um anúncio de freezer horizontal e uma promoção de óleo de soja. Entrei rápido para dentro de casa com medo que o orelhão da pracinha da frente tocasse.


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