Senso de Realização
No chá de fraldas da minha primeira filha, uma amiga muita sábia que tinha três filhos me disse: Faz tudo que tu tiver pra fazer agora depois que ela nascer quando tu conseguir raspar os dois sovacos no mesmo banho, vai te sentir realizada. Na hora pensei que era exagero, que ela falava isso porque tinha três filhos. Não demorei pra saber que ela estava certa. A maternidade traz um novo senso de realização, um novo significado pra sucesso.
E como diz a música do Legião Urbana “Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?” criar pessoas é uma experiência tão surreal e complexa que dá vontade de repetir a dose e no segundo filho você descobre outra coisa sensacional que um mais um é dois só na matemática, na vida prática familiar um mais um é quatro ou seis. A partir do segundo filho realmente sucesso é conseguir ter os dois suvacos depilados na mesma oportunidade, mas filho nos traz uma sensação de que somos capaz de tudo, inclusive de depilar a virilha com cera em casa, sem ser percebida.
Eu sei que talvez eu devesse lidar melhor com os meus pelos, afinal eles são elementos naturais das mulheres e homens ainda que essa sociedade doida nos diga que devemos não tê-los, mas ainda não atingi esse nível de evolução. Em um domingo ensolarado olhei para as crianças tão calmas e distraídas com a avó, meu marido deitado com uma tala no pé porque tinha torcido, eu, iludida, pensei que podia me depilar sem ser notada. Tudo ia bem, mas às vezes tudo tá correndo tão bem que alguém precisa te lembrar que rapadura é doce, mas não é mole. Ninguém tinha me chamado pra nada, então o sol deve ter me enxergado, por alguma frestinha de janela e pensado “vamos acabar com essa calmaria”. Do nada se armou um temporal, tudo ficou preto, ventava muito e quando fui dar uma espiada, o toldo que temos no pátio que deve ter uma área de uns 4 metros quadrados mais ou menos e 1,80 m de altura tinha voado e começava a se danificar. Sai correndo, afinal meu marido estava com o pé imobilizado. Na urgência do momento cheguei a conclusão que não precisava colocar as calças, considerando que tava chovendo mesmo, só serviria para elas ficarem molhadas e eu não tenho nenhum vizinho que enxergue para dentro do pátio. A cena que se seguiu foi mais ou menos essa: Eu pelada da cintura para baixo tentando arrastar um toldo enorme em um vendaval, duas crianças atônitas olhando pela porta de vidro, quase com lágrimas nos olhos, entre risos e choros porque afinal só enxergavam minha bunda branca e não tinham muita certeza se eu estava bem ou não. Minha mãe que, teoricamente, estava de olho nelas procurava o celular para eternizar o momento. Por sorte ela não achou. A água começou a alagar o pátio, então era eu seminua com água quase pelas canelas.
Meu marido que talvez fosse a única pessoa que pudesse encarar isso com certo erotismo, estava deitado com o pé machucado pra cima e não viu nada, não viu nem que tinha um temporal acontecendo, porque o barulho do ar-condicionado abafou o da chuva. Só se deu conta do caos que havia se abatido pela cidade inteira, quando eu entrei meio vestida, meio pelada toda encharcada. Pensando bem, mesmo que ele visse a cena não poderíamos protagonizar um momento tesão cinematográfico de comédia romântica, afinal tinham duas crianças perplexas com as carinhas coladas no vidro e uma senhora acima dos setenta que não sabia o que tinha feito com o celular. Nota importante: ainda que a cena tenha sido toda meio caótica fiquei realizada, por não precisar comprar um toldo novo e ter conseguido depilar meia virilha. Pensa no tanto de dinheiro que economizei em uma tarde só!
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