Mãe de gente

 

Agatha, uma mulher hipotética, que podia ser você ou eu, tinha dois filhos. Quando seu filho mais velho, João, completou um ano de idade, ela virou estatística e foi demitida da empresa onde trabalhava. Procurou outro emprego, fez mil seleções, mas não era chamada para nada. Quando João completou dois anos ela engravidou de Antonia, pensou que assim, com seu sonho materno realizado, e ela podendo declarar publicamente que não pretendia ter mais filhos, sua chance de retomar sua carreira seria maior.

No entanto, as coisas não pareciam assim tão simples. João já estava com quase cinco anos e Antônia com dois e nada de Agatha conseguir retomar sua vida profissional. Perdeu mais de uma chance de trabalho por precisar ficar em casa por algum dos dois estarem doentes, ainda que nessas ocasiões ela trabalhasse de casa mesmo.

Acreditando que seria mais fácil, ela resolveu voltar a trabalhar como freelancer como fazia no início de sua carreira, muito antes de ter as crianças. Assim, conseguiria ser um pouco mais dona de seu tempo e ajustaria melhor sua agenda, ao menos era o que imaginava. Avisou todos os seus contatos que estava disponível para trabalhar e não demorou para Fabi, uma antiga amiga, lhe oferecer uma oportunidade.

O trabalho consistia em estar fisicamente em um escritório disponível durante ao menos doze horas diárias, sete dias da semana, para coordenar a organização de uma feira. Fabi estava disposta a pagar um salário mínimo por cada um dos dois meses de trabalho.Obviamente isso era inviável para Agatha e ela tentou explicar para amiga em um telefonema: 

- Oi Amiga! Acabei de deixar a Antônia e o João na escola.

- Então, era isso que eu ia te falar, não vai dar para eu pegar esse job. 

- Sim, eu to precisando trabalhar, mas é que estar disponível assim 24 por 7, não tá rolando pra mim nesse momento. Por causa das crianças, né? Elas são pequenas, precisam de atenção.

- Sim, eu sei que você também tem filhos, mas Antônia e João são um pouco diferentes dos seus.

- Diferentes, como? Sei lá, Tobby e Frida são peludos, de quatro patas. Os meus são bípedes, né? E nem dá pra deixar eles em casa com jornal e ração, é um pouco mais complicado, sabe? 

- Não, de forma alguma, não me entenda mal. Não tô dizendo que você não é mãe, mas é que os meus exigem um pouquinho mais de atenção. 

- Eu sei que você até contratou um passeador para eles, mas não dá pra contratar passeador para duas crianças, não resolve o meu problema. E também tem a questão do cachê. É menos que um salário-mínimo, se eu contratasse alguém para cuidar deles precisaria pagar mais que isso, se não é praticamente escravidão. Daí não vale a pena, porque eu vou ter que pagar para trabalhar. 

- Não, amiga, não tô dizendo que você é favor da escravidão. Mas é que realmente não fecha a conta pra mim. 

- Sim, eles tem pai, mas o pai deles trabalha oito horas por dia e gasta mais umas três horas no trânsito para ir e vir pra casa. Justamente por isso que eu optei por ficar trabalhando como freelancer. 

- Não, não é contra tudo o que eu disse a vida inteira, só que não dá. 

- Eu lamento que você tenha pegado esse projeto contando que eu poderia ficar 24/7 a disposição, com esse cachê, enquanto você toca os outros. 

- Não, eu também não tenho tempo para quebrar o galho e passear com Tobby e a Frida para você nesse período.

Depois de desligar o telefone, Agatha editou o contato de Fabi no seu celular. Trocou o nome Fabi amiga para Fabi mãe de cachorro.

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