Pão de ló com merengada

Essa semana foi o Dia da Criança. Por aqui comemoramos bastante. As crianças ganharam presentes, comeram doces, escolheram porcarias para se deliciar, brincaram com os amigos vizinhos, riram, correram, se divertiram. Minha mãe, como em todos os anos, comentou que quando era criança não existia O Dia da Criança. Ela fala com certo desdém, mas acho que é um pouco de recalque disfarçado de quem não tinha toda essa festança quando pequena. Na minha infância tínhamos comemoração dupla: dia das crianças e aniversário da minha avó materna que foi, sem dúvida alguma, importantíssima na minha vida desde que eu nasci (creio que na de todos os netos) e mesmo hoje já tendo falecido há um bom tempo segue viva em muita coisa que faço (e como!).

Ainda que tenha sido um feriado bem divertido, fiquei eu cá me perguntando: Deveríamos nós, no Brasil, comemorar o Dia das Crianças? É válido comemorar a data em um país que tira diuturnamente os direitos de se ser criança?

Se um dia dissemos que as crianças eram o futuro da nação, não dá mais para dizer isso. Parece que a nação nem sequer tem futuro. Como dar às crianças a responsabilidade de ser futuro de alguma coisa, se não damos a maioria delas direitos básicos como acesso à educação, alimentação de qualidade, saúde. Como comemorar a data em um país que nega absorvente às mulheres em situação de extrema pobreza, sendo que entre essas estão as meninas de dez anos para cima? O que se comemora em um país que usa agentes do governo, associadas a igreja de moral plenamente contestáveis para tentar imperdir o aborto legal de meninas que foram estupradas e as condena a violência dupla? Como exaltar a alegria da infância em um país que terá uma geração de órfãos do covid? Qual é a diversão infantil que envolve ter como único alimento sopa de osso? Como ter a alegria do convívio escolar em um lugar onde o próprio governo desmantela o sistema de ensino e o envolve em uma teia de incontáveis fake news, buscando descredibilizar toda uma classe de profissionais da educação que há muito já não era adequadamente remunerada e agora é perseguida? Tem o que festejar em um lugar onde uma mãe fica presa por roubar um miojo e suco de saquinho para dar aos filhos que estão passando fome e não se faz nada com os integrantes de um exército paramilitar que tomaram de assalto o país?

Até ser criança está se tornando um privilégio para poucos. Devemos, sim, nos alegrar com nossos pequenos no Dia das Crianças, até porque eles não tem culpa nenhuma da merda em que os adultos afundaram o país, mas mais do que presentes materiais em uma única data, é preciso dar conhecimento e informação (ambos artigos raros) todos os dias do ano. Só assim eles serão capazes de enxergar além do seu próprio umbigo, além de sua própria tela, além de suas cômodas casas, para lá de seus pop it.

Voltando, a minha avó, que fazia aniversário no Dia das Crianças, provavelmente esse foi o melhor e mais importante presente que ela tenha me dado ao longo de nosso convívio: conhecimento e informação, além é claro de carinho, atenção, mimos e pão de ló com merengada!

 

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