Paralelos Cruzados

 

Durante a pandemia toda eu só viajei fisicamente duas vezes. A primeira foi no Natal do ano passado, quando alugamos uma casa na serra para garantir que não cairíamos em tentação de nos aglomerar com ninguém. Passamos uma semana no meio do mato sem ninguém além da nossa bolha asséptica particular. Lá sentada em uma piscina de plástico entre espirros de arminha de água e pequenas baldadas na cabeça disse mentalmente pra mim: Vou escrever um romance. Já me desafiei a escrever uma crônica por semana e estou conseguindo. De que mais sou capaz?

Cheguei em casa de volta e me pus a trabalhar. Sou totalmente disciplinada. Criei um esqueleto e comecei a desenvolver. Entre bundas limpas, aulas dadas, home schooling, roupas estendidas, brigas apartadas, mil comidas feitas, depois de um tempo já tinha um manuscrito e um título. Passei para o meu primeiro leitor, que me estranhou porque não estava acostumado com minha faceta mais "seriazinha" , mas ainda assim era eu.

Alguns ajustes de um lado, mais uns tantos de outros e eu tinha uma versão final do meu primeiro romance "Paralelos Cruzados". E agora o que eu faria com isso na mão? Precisava publicar? Ou não ? Ou sim? Sei lá! Depois da coisa pronta dá um medinho, uma sensação de posar com o cérebro pelado.

Por outro lado, quem ia querer publicar uma escritora plenamente desconhecida? Por sorte, o algoritmo que até hoje só me vendeu roupa infantil, tênis, vinho, comida e sutiã de alta sustentação, me levou a uma chamada aberta para publicação de novos autores do Grupo Editorial Caravana. Enviei meu manuscrito (que nos dias de hoje deveria ser chamado de tecladoescrito). Para minha surpresa, meu primeiro romance foi aprovado para publicar, com uma tiragem baixa e 100% financiada. Para quem não sabe, ter o seu livro financiado é algo muito incomum, um baita voto de confiança no trabalho de um autor desconhecido e na sua viabilidade. Agora era esperar para saber quando eu seria publicada, seria em 2021, mas não sabia a data exata.

Essa semana fizemos nossa segunda viagem pandêmica. Fomos para a Gamboa em Santa Catarina. A primeira surpresa lá foram as baleias francas e seus filhotes. Nunca imaginei que ficassem assim tão perto da costa. No segundo dia eu tentava fazer uma foto legal daqueles mamíferos gigantescos e graciosos, mas era difícil, porque o movimentar é rápido e se mistura com o mexer do mar, além do mais a câmera do meu celular é péssima e eu enquanto fotógrafa sou ótima escritora. Fotografei uma que parecia mais lenta lá adiante no mar, então achei que ela quase não se mexia e me dei conta que era uma pedra. Sim, um monte de baleia e eu tava fotografando a pedra! Meio decepcionada, desisti e larguei as fotos de mão.

Fechei a câmera do celular inquieta com a minha capacidade de registro visual dos animais e vi a notificação no meu email de que meu livro entraria em pré lançamento. Depois de 38 semanas (o tempo de uma gestação), daquele meu autodesafio na piscina de plástico, agora de frente pro mar em meio a uma berçário de bebês baleia, conheci a capa do meu bebê livro. Até esqueci que estava fotografando uma pedra pensando ser um cetáceo .

Já que o filhote está aí em pré lançamento, convido a todos que me leiam, uma autora feliz é uma autora publicada e lida! Sem dúvida se eu não tivesse tido esse mais de um ano de desafio auto imposto e inúmeros incentivos de vocês que me lêem (jamais esquecendo os encorajamento doméstico e familiar) eu não teria me reencontrado com as letras e palavras. Gracias!

Também sugiro que conheçam a Caravana, porque em um país que querem nos dar armas, oferecer livros é um ato único de resistência. Não faça guerra, faça cultura. Se a guerra for inevitável, faça da arte suas armas!

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