A Semana Farroupilha

 

Nos últimos dias foi celebrado aqui no Rio Grande do Sul a Semana Farroupilha que culmina no dia 20 de setembro. Nesse período são exaltadas as tradições e simbologias do gaúcho. Eu, pessoalmente, celebro no máximo a chance de ter um feriado no meio da semana. Creio que seja difícil de me imaginar vestida de prenda, dançando uma vaneira até porque realmente não acontece. Não combina comigo. Esporadicamente até tomo chimarrão e posso curtir ouvir uma milonga ao longe, mas acabamos as exaltações por aí e isso não ocorre necessariamente na Semana Farroupilha.

Esse ano minha filha mais velha tinha um trabalho escolar que consistia em explicar porque o vinte de setembro era comemorado. Tive ímpetos de avacalhar e dizer que se comemora uma guerra perdida motivada por um movimento elitista dos estancieiros que achavam os impostos abusivos, mas me contive. Tem coisas que é mais interessante fazer a pessoa ler, pesquisar e concluir por si mesma. Gosto do desenvolvimento da consciência crítica e de um ser pensante, sei que isso pode parecer estranho para muitas mães e pais.

Pois bem, catei um texto na internet que explicasse em linha gerais porque era feriado no dia 20 de setembro e deixei a cria do alto de seus nove anos ler e se virar. Um tempo depois fui ver o que ela já tinha feito (por sorte fui) e lá estava escrito: “Os Farrapos moravam na ponte da Azenha. Seu líder Pedro Gonçalves…..”. Ri interiormente para não desmotivar a pessoa e perguntei: “Tu tem certeza que eles moravam na ponte e que o nome do líder era esse?” (Imagino eu que Pedro Gonçalves seja a cruza do Pedro Álvares Cabral com o Bento Gonçalves). Havia uma clara não compreensão da linguagem rebuscada do texto. Esclarecemos e ela continuou o trabalho sozinha. Eu saí do quarto pra poder rir sem inibir ninguém.

Enquanto eu tinha ataques de riso, imaginando os farrapos morando embaixo da ponte da Azenha, me lembrei que eu com, mais ou menos, a idade dela em uma Semana Farroupilha no final da década de oitenta cantarolava animadamente o hino do Rio Grande do Sul e minha avó ao ouvir me disse: “Repete essa parte que tu tava cantando.” Eu me achando supergaúcha, cantei: “Sirvam nossas lasanhas de modelo a toda terra, de modelo a toda terra...” no lugar de “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra, de modelo a toda terra..”. Obviamente eu não tinha a menor ideia do que eram façanhas, já lasanhas eu sabia bem. Hoje em dia (depois da consciência crítica desenvolvida ao longo dos anos) creio que talvez fosse mais interessante que servissem nossas lasanhas mesmo.

Mais tarde quando voltei ao quarto da pequena o trabalho já estava pronto. Antes de me mostrar o que tinha feito ela me perguntou: “Mamãe, porque comemoram o início da guerra e não o final?” Respondi que era porque os farrapos tinham perdido a guerra. Ela indignada me disse: “Não acredito que se comemora uma guerra perdida!!!!!” Comecei a ler o trabalho. O pequeno texto explicava em linhas gerais o início da guerra dos farrapos e um detalhe me chamou a atenção: Bento Gonçalves era o líder de todes. Sim, todes com linguagem neutra. Achei engraçado dado a representação da guerra e perguntei por que todes (única e exclusivamente para ter certeza que ela sabia o porquê tinha usado aquela linguagem) ao que ela me respondeu: “Porque todes é uma forma de tratar as pessoas e inclui todo mundo sem rotular ninguém, deixa a pessoa se identificar como quiser.” Detalhe importante: Na escola dela até hoje não foi falado sobre linguagem neutra, ao que eu concluo que sim, estamos criando um ser pensante.

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