Menina pode?

 

Bom dia Sociedade Machista! Dia desses minha filha mais velha fez um trabalho do colégio sobre danças folclóricas. Estudaram variadas danças de diferentes regiões do país, inclusive do Rio Grande do Sul. Nas danças dos pagos de cá surgiu a chula. Viram um videozinho explicativo de como era a dança e de quem podia dançar: só os meninos. Após o vídeo tinha uma pergunta para responder (a escola dela segue com estudos remotos): Você acha que as meninas também podem dançar chula? Explique sua resposta.

Minha pequena prontamente respondeu: Sim, porque as meninas podem fazer o que elas quiserem! Assim, com ponto de exclamação para deixar bem clara sua indignação. Eis que depois que ela postou sua resposta começamos a ver as respostas dos coleguinhas. Metade da turma tinha respondido, umas dez crianças. A maioria dizia lindamente mais ou menos o que minha pequena tinha dito com algumas variações. Adorei a resposta de um dos meninos: Sim, menina pode fazer o que quiser, mas acho melhor não dançar de vestido de prenda porque pode tropeçar e se machucar. Apenas duas crianças tinham respondido que menina não podia dançar chula, sendo um menino e uma menina.

Duas coisas me chamaram a atenção nessas respostas negativas. Primeiro que nenhum dos dois justificava a resposta (enquanto os que responderam sim tinham justificado), só diziam: Menina não pode dançar chula. Como uma resposta automática, sem o mínimo de reflexão, como quem repete algo que lhe é ensinado sem se perguntar se isso está certo ou não. Segundo ponto interessante, eram duas crianças que, acredito eu pelo que posso observar, são menos expostas à informação pela própria estrutura familiar. Quando me refiro à informação, me refiro à informação de qualidade.

Vi depois que as professoras questionaram gentilmente os pequenos conservadores sobre o porquê de uma menina não poder dançar determinada dança. O que viriam a fazer com todos que não justificassem suas respostas independente de qual fosse. Confesso que daí pra frente não mais acompanhei o tal fórum, mas achei interessantíssimo como elas criaram contexto para discutir igualdade de gênero e questionaram os que respondiam sem justificar seu ponto de vista, fazendo com que os pequenos pensassem e criassem consciência crítica para um debate mais profundo.

Os dois pequenos do “não” são um reflexo de uma sociedade que reproduz discurso sem questionar. Ninguém nasce preconceituoso, aprendemos o preconceito desde o primeiro dia de vida. Por outro lado, somos capazes de ensinar a questioná-lo, mas isso interessa a alguém? Certamente não a quem detém grandes, enormes somas de capital. O questionamento liberta e isso não interessa. Bem como a taxação de grandes fortunas diminui desigualdades, mas isso também não interessa. A quem detém mais vale mandar pro espaço um foguete disfarçado de piroca voadora (para deixar bem claro de quem pensam ser o mundo) e acreditar que conquistou as galáxias do que saber que todas as crianças têm direito a uma vida digna e serão ensinadas a pensar. Quem pensa não aceita ser escravizado, não aceita ser inferiorizado por nenhum motivo.

Ah e quem tem um corsa 1998 e discorda, acha que isso é papo de comunista, feminista e todos os istas que aprendeu ou inventou, não teve a oportunidade de aprender a pensar. Sorte de quem encontra com professoras como as da minha filha, que diga-se de passagem tem ampla liberdade de cátedra por lecionarem em um colégio público, gratuito e de qualidade. Sorte dos pequenos amiguinhos conservadores que têm o privilégio de estudar com elas e aprenderem a pensar, ainda que mantenham seu posicionamento terão parado para refletir e buscarão uma justificativa lógica para suas ideias.

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