Habilidades

 

Os últimos tempos têm sido de grande aprendizado e desenvolvimento de novas habilidades (isso não é obrigatoriamente algo positivo). Teve gente que aprendeu a propagar fake news com maestria (e atualmente de brinde propaga vírus). Tem quem aprendeu a refutar a ciência com base em sua própria opinião. Sim, eu sei, isso é bizarro e de uma prepotência chocante. Algumas pessoas aperfeiçoaram o “foda-se” em relação aos outros. Tiveram os que aprenderam a criar o próprio fermento e fazer o próprio pão de fermentação natural. Professores tiveram que aprender a ensinar de outra forma. Aprendemos tudo sobre um vírus e maneiras de nos proteger dele. Desenvolvemos a habilidade de ficar perto mesmo longe. Hoje sabemos nomes de laboratório de vacinas e há quem tenha preferência por alguns, por mais estranho que pareça.

Eu, assim como todo mundo, também tive que aprender coisas novas e desenvolver habilidades, algumas que eu até preferia não ter. Por exemplo, adoraria não ter aprendido a explicar para minhas filhas o inexplicável das pessoas pedindo dinheiro para comer nas esquinas. Eu era bem feliz quando não sabia que precisava lavar as compras. Tenho uma saudade danada de quando eu não sabia que a vida no Brasil vale menos de um dólar. Por outro lado, descobri que sou plenamente adaptável a adversidades, ainda que às vezes eu dê uma surtada, mas quem não dá? Também desenvolvi muito minha escrita e talvez se não fosse toda essa bosta de dimensão nacional, Internacional, política, econômica e sanitária eu não me voltasse para essa válvula de escape.

As crianças, em sua maioria, também estão descobrindo a vida de outra forma. Às vezes me pego observando minha filha de quatro anos que a partir dos dois e pouco começou a conviver com essa doideira. Ela praticamente não foi à escola. Em alguns momentos me preocupo achando que a fala dela é muito atrapalhada, ou que ela ainda é muito “nenezão” para a idade. Em contrapartida, vejo que ela já aprendeu tanto e desenvolveu tantas habilidades que me surpreendo.

Ela jamais sai de casa sem máscara. É capaz de dar aula para muito adulto de como se usa esse equipamento de proteção. Ela sabe fazer seu próprio leite com achocolatado e aquecê-lo no microondas. Minha pequerrucha lava as mãos com a perícia de uma cirurgiã. Bate panela perfeitamente para enlouquecer o gado adormecido da vizinhança, demonstrando mais consciência política e social que muita gente grande. Ok, eu sei, no Brasil contemporâneo isso não é grande coisa.

Essa semana constatei que, provavelmente, a maior habilidade que ela desenvolveu nos últimos tempos foi o faro. Sim, a capacidade de farejar. Não, por favor, não confunda com o sentido do olfato, isso quase todos temos. Farejar envolve o olfato, entretanto é mais complexo porque nos leva a seguir, achar algo pelo cheiro. Exige prática e treino. Normalmente isso é mais comum entre os animais, mas, para minha surpresa, eu tenho uma pequena farejadora em casa.

Descobri quando ela entrou no escritório, onde meu marido estava trabalhando para falar qualquer coisa com ele. Já de saída, voltou e perguntou para o pai: que cheilo é esse?

Ele disse: não sei?!

Ela inspirando mais ar pelo nariz disse: doce?!

Mais uma inspirada dando continuidade a investigação: colate?

Uma última puxada de ar e veio o veredito: colate com molanguinho?!

E assim ela descobriu que o pai dela estava com um stikadinho aberto escondido a 1,5 metros dela.

No meu mundo ideal todas as crianças deveriam ter o direito a desenvolver o faro.

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