Para que os morangos não mofem

 

Sexta dessas tive um déjà vu. Aquela sensação de já ter passado por determinada situação. Existe até explicação de porque isso acontece nas nossas cabeças. Li em algum lugar que é como um tique do cérebro, algo como um micro espasmo que sabota a parte responsável pela memória e nos faz familiar com algo ou alguma situação que está ocorrendo naquele momento. Não me acontece com frequência, mas às vezes que acontecem são sempre estranhas. Parece que o cérebro passa a perna na gente e coloca em xeque a noção de realidade e tempo. Nos faz questionar em quantas velocidades e dimensões existimos.

Elucubrações à parte, o fato é que eu estava tomando vinho, meu marido procurava algo para ver na tv, minha filha mais velha opinava sobre o programa que seria escolhido, enquanto desenhava e minha filha mais moça me convidou para brincar com ela. A minha missão era pular meio morango de plástico daqueles que tem velcro para colar na outra metade. Antes do salto, com o cálice na mão, me veio a estranha sensação de que aquilo já tinha acontecido e que em outro momento eu já tinha pensado "Não é uma boa ideia pular qualquer coisa com um cálice na mão". Alertada pelo bug cerebral, segurei o cálice com mais cuidado e pulei o meio morango.

Até agora não sei se foi um déjà vu ou se de fato aquela cena já tinha acontecido. Há mais de um ano parece que vivemos um eterno déjà vu. Todos os dias as notícias parecem horríveis, dia sim e dia também alguma otoridade diz ou faz algo bizarro que nos torna manchete e vergonha internacional, uma significativa parcela da população fica chocada, no outro dia a situação se repete e nada muda. O roteiro é sempre o mesmo.

Aqui em casa não é muito diferente, a não ser, claro, o fato de não fazermos coisas horríveis, não falarmos asneiras que prejudicam uma nação inteira, à exceção disso nossos dias são meio iguais há mais de um ano. A chance de eu estar com um cálice de vinho na mão em uma sexta à noite é imensa. A probabilidade de ter um monte de brinquedos espalhados pela sala, incluindo, meio morango de velcro, é alta. A possibilidade do meu marido e da minha filha mais velha estarem debatendo sobre qual será o programa na televisão é grande. Também é bem provável que a minha filha mais moça, cansada de brincar e brigar com a irmã, me considere sua melhor amiga de aventuras por completa falta de conhecimento da existência de pessoas da idade dela para um relacionamento próximo. Assim, não sei até agora se eu tive um déjà vu ou se já perdi a conta de quantas vezes pulei morangos de velcro com um cálice de vinho na mão em uma sexta feira à noite nos últimos quinze meses. De qualquer maneira estou ficando craque, porque não voou nem uma gotinha de vinho para fora do cálice, seja por experiência vivida ou bug cerebral.

Assim seguimos uma sexta após a outra, uma sexta igual a outra, sem saber se é repetida ou se é déjà vu. O Brasil não tem nos dado muitas opções: pular morangos de velcro, segurando cálices de vinho segue sendo uma das melhores pedidas para sexta à noite. Faz vento, evita que eles mofem.

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