Rasa como um pires

 

Desde 23 de maio de 2016, quando eu acordo tenho um pensamento recorrente, uma esperança. Abro os olhos e vem a minha mente “Tomara que eu tenha ficado tão rasa quanto um pires ou que tudo tenha sido um pesadelo”. Na verdade eu penso “tomara que eu tenha amanhecido burra”, mas não sejamos presunçosa, deixemos o rasa que é mais gentil (com os outros não comigo mesma).

Começa o dia. Eu acordo as crianças. Faço café. Nos sentamos na mesa, eu com uma xícara quentinha nas mãos começo a ler as notícias. Pronto! A esperança foi embora, não fiquei mais rasa de um dia para o outro. A vida seria tão mais fácil se eu tivesse a profundidade de um espelho d’água com menos de 1 mm de espessura.

Imagina que tranquilo e simples:

  • Ter a certeza que quando dizem “só 0,01% das crianças desenvolvem covid grave”, as minhas crianças não pertencem aos 0,01%.

  • Entender que na pandemia no Brasil está tudo bem ter que optar entre morrer de fome e morrer de covid, como se não houvesse alternativa.

  • Achar que faz todo o sentido cuidar do mercado porque sem ele não dá para cuidar das pessoas, afinal todo mundo sabe que o mercado criou as pessoas e não o contrário. Aliás, vamos além, todo mundo sabe que o mercado visa o bem-estar das pessoas e não o lucro.

  • Achar que dar uma roupagem nova em velhas organizações, pintar de laranja, criar um logotipo moderninho as torna novas.

  • Compreender que o Brasil é um dos países que mais aplicou vacinas, sem considerar a porcentagem total da população vacinada.

  • Andar sem máscara vida a fora como se isso não expusesse mais ninguém ao risco.

  • Compreender perfeitamente que as pessoas que se encontram com outras pessoas, e se encontram com mais outras e no final de semana visitam a mãe não estão de forma alguma fazendo o vírus circular. Diga-se de passagem que é um vírus para circular? É ar, é gente?

  • Ver sentido na meritocracia em um país com desigualdades sociais como as do Brasil. Adoraria ter certeza que tudo que eu tenho (que nem é tanto assim, mas é mais do que muita gente), tenho porque eu mereço e não tem absolutamente nada a ver com o fato de eu ser branca, ter estudado em colégios bons e consequentemente em uma das melhores universidades do país.

  • Compreender que o “problema” da previdência é as pessoas terem essa mania de viver demais e além de tudo não quererem trabalhar até morrer.

  • Assimilar com facilidade que a violência e o crime são escolhas e nada tem a ver com desigualdades vertiginosas.

  • Ter a clareza de que consciência da classe é coisa de comunista.

  • Indo mais longe (em distância, não em profundidade) que maravilha entender a palavra “comunista” como uma ofensa despida de qualquer conceituação técnica, histórica e econômica. Em vez de chamar alguém de filho da puta que é vulgar, vai lá e chama de comunista que tá na moda.

Deve ser sereno estar se afogando no mar de merda e achar que tá fazendo mergulho no Caribe. Deve ser maravilhoso ver aquela onda de bosta vindo e não ficar tentando fazer as bolinhas de cocô se separarem porque todas juntas tornam a merda mais densa (afinal você pensa que aquilo é o mais límpido dos mares). Deve ser bem mais simples!

Já diria Raul Seixas: É uma pena eu não ser burro, assim eu não sofria tanto.

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