De faltas e saudades

 

Lá se foi um ano de pandemia. No Brasil as coisas só pioram, não dão sinais de melhora e não parece haver interesse em uma melhora. A vida de muita gente mudou nesse período, mas não a vida de gente suficiente para contornar o problema que vivemos. Há uma clara dificuldade de compreensão do sentido de coletividade. Parece que as pessoas são capazes de viver sozinhas no mundo sem mais ninguém, como se não dependêssemos uns dos outros para seguir em frente. Tudo bem que tem pessoas que dá vontade de deletar do mundo, mas não temos botão de delete e nem cabe a nós decidir os “deletáveis” do universo (ainda que possamos fazê-los desaparecer de nossas mentes, como mero exercícios criativo).

Ao longo desse mais de um ano, quem foi capaz de adaptar a vida se privou de muita coisa, descobriu outras tantas e desenvolveu um novo contato com o seu interior. Fomos obrigados a olhar para dentro, conviver com o nosso eu e fazer mil balanços. Até nós, mães de seres não adultos, que somos as pessoas mais sobrecarregadas (segundo pesquisas realizadas durante a pandemia) em algum momento nos deparamos com nossa própria mente, nos questionando e fazendo um trabalho introspectivo de reconhecimento de quem somos e como nos relacionamos com o mundo.

No meio dessas auto análises vêm as faltas e as saudades. Eu me dou conta, hoje, que sinto muita falta do que não vivi o suficiente. Tem um lado meu que está que nem aquela música “Epitáfio” dos Titãs:

“Devia ter complicado menos

Trabalhado menos

Ter visto o sol se pôr

Devia ter me importado menos

Com problemas pequenos

…….”

Sinto falta das viagens que não fiz, das vezes que deixei de ir ao cinema, dos piqueniques que re-agendei com as minhas filhas, de ver fisicamente algumas pessoas, de encontros que não marquei com a velha desculpa “vamos combinar!”, de olhar o céu encostar no chão ou na água, de caminhar sem ter nada na frente, de saber que não ouço as panelas baterem porque estou no meio do nada e não porque tem rivotril na água da vizinhança. Sinto falta de tudo que ainda não deu tempo de fazer o suficiente e quando falo suficiente, tem coisas que eu já fiz mil vezes, mas quero fazer cinco, dez mil vezes.

Por outro lado tem várias coisas que eu descobri que não preciso para viver feliz. Não me faz a menor falta ir a supermercado ou shopping, as relações sociais obrigatórias, o trânsito intenso, tacanhice, grosseria e por aí vai.

Saudade do que ainda não vivi é ansiedade? Se é, sofro do mal , mas quem não sofre de alguma coisa em uma pandemia?

O sentido de finitude parece trazer à tona essas faltas. Mas será que quando as coisas se estabilizarem e tivermos uma noção de como será a vida, viveremos o que está fazendo falta? Ou colocaremos o uniforme de engrenagem e voltaremos a ser as peças que movem o mundo sem se auto-mover?

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