Babá eletrônica

 

Antes da pandemia eu era ferrenhamente contra dar um celular para uma criança, mas como tudo o que a gente ferrenhamente julga outras mães, ferrenhamente se volta contra nós mesmos. Veio a pandemia e eu descobri que acabava perdendo meu celular para minha filha mais velha, então com 8 anos.

Ela pedia emprestado para jogar, para falar com as amigas e eu cedia, cedia e acabava ficando sem o bendito aparelho. Resultado: cheguei a conclusão que tudo bem ela ter um celular dela. Demos um celular velho com bateria viciada, que assim ela não fica grudada demais, e sem chip para não ter tantos recursos.

Passou um mês da pandemia e a vida com as amigas se resumia ao whatsapp, o meu whatsapp. Concluí que um chip também não era tão grave. Providenciamos um chip e desde então ela é uma menina de celular, que fala com as amigas por ali, joga e fica alguns momentos do dia lá no seu mundinho. Sendo honesta em algumas ocasiões, pra mim é ótimo. Tá brigando loucamente com a irmã, vai pro teu celular; não quer liberar o controle da televisão para mais ninguém , vai pro teu celular; eu tenho que trabalhar e preciso de paz, vai pro celular. Convém lembrar aqui que a bateria do celular é viciada, na nossa combinação só pode ter uma carga por dia e assim ficamos acordadas: ela não abusa do celular, nem eu.

Por outro lado, o celular também é uma ótima moeda de troca. Ele é um benefício: não se comporta, perde; não faz suas tarefas, perde.

Eis que esse dias eu me dei conta como somos emocionalmente dependentes da tecnologia, na pandemia mais que nunca. A pequena moça de celular estava da pá virada, respondona, sem querer fazer suas tarefas, se engalfinhando loucamente com a irmã e eu, quase maluca, avisei: mais uma e tu perde o celular até segunda-feira!

Claro, que veio a “mais uma”. Prontamente solicitei a entrega do celular. Entre lágrimas recebi o aparelho. Logo depois me dei conta que era uma quinta-feira de manhã com previsão de chuva até segunda-feira e eu tinha dispensado a babá eletrônica! O pânico se apoderou de mim e pensei: Putaqueopariu (no caso eu mesma)!!! O que eu fiz!!!! Essa guria vai passar quinta, sexta, sábado e domingo me atazanando, reclamando da vida, da chuva, de não poder brincar no pátio, da pandemia, de não poder falar com as amigas e esse castigo corre o risco de ser duro para nós duas. Nesse momento tive uma ideia brilhante: trabalhar com a progressão de pena.

Chamei ela em um canto e disse: tu entendeu porque perdeu o celular? Recebi a confirmação que sim. Então, emendei: Ficar sem celular até segunda depende só de ti. Se tu te comportar, andar na linha pode ter ele de volta antes.

Logo as lágrimas se transformaram em sorriso. A pequena pessoa andou um anjo, prestativa, dedicada, pacífica e ainda por cima não choveu. Nem sofremos com a ausência da babá eletrônica, confesso que estava tudo tão bem que quase não devolvi o celular antes, mas trato é trato. Domingo de noite ela recuperou seu querido celular e por incrível que pareça, nem usou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Fica bem 2023

A pontezinha do Sakae's

Rituais de final de ano