O mundo de Quadradinho

 

Hoje temos uma fábula para fazer as crianças dormirem. Ou não.

Era uma vez um monstrinho que vivia na terra dos monstros, alguns eram parecidos outros diferentes. Ele, em especial, tinha o formato quadrado e por isso se chamava Quadradinho. Quadradinho cresceu, casou com a Dona Quadradinha, construíram uma casa em formato de cubo e tiveram filhotes quadradinhos. No seu cubo, Quadradinho, colocou espelho por todos os lados, pois se achava o monstrinho mais lindo e mais inteligente. Gostava muito daquele lugar para viver. Guardava alguns afetos fora de seus limites, mas achava que todos deveriam ter uma vida como a sua. Fazia piadas de mau gosto com quem encarava o mundo para além de suas linhas e ângulos retos. Seus afetos externos ao cubo não diziam nada, porque achavam que ele era assim mesmo e não valia a pena gastar saliva. Toleravam suas monstruosidades, pois quando saiam dali esqueciam que ele existia.

Conforme os anos foram passando, Quadradinho cada vez saia menos de seu cubo. Não convivia com monstrinhos diferentes e se tornava mais e mais intolerante aos que não se assemelhavam a ele. Olhava pelos espelhos da casa, se via e ficava satisfeito, pois concluía que aquilo era o melhor de sua terra. Não era capaz de fazer reflexão nenhuma, só enxergava a si mesmo. Eventualmente tentava olhar para além do seu cubo, mas logo era dissuadido pelos vértices que lhe gritavam coisas sem sentido como: mamadeira de piroca; invasão comunista; corrupção; homem é homem, mulher é mulher; direitos para monstros direitos. Ele ouvia aquelas frases soltas e mais tinha certeza que o certo a fazer era se manter dentro de seu cubo, pois aquilo era tudo o que os monstrinhos que não estavam dentro do cubo eram e queriam, concluía. Ele precisava proteger a família Quadradinho.

Um dia entorpecido por leite condensado que ele consumia de um jeito bem estranho, enfiando seu diminuto bodoque na lata, resolveu abrir uma frestinha de seu cubo e gritar todos os impropérios que ele ouvia vindo dos vértices. Algo muito estranho aconteceu, ele descobriu que existiam outros monstrinhos quadradinhos, ele não estava só, não eram muitos, mas ele não era só um. Rapidamente adquiriu uma nova tecnologia que conectava seus espelhos aos de outros monstros e assim passou a repetir os absurdos que ouvia para os outros monstros quadrados. Fizeram uma rede de monstrinhos quadrados que viviam num mundo quase paralelo à realidade da maioria dos monstros, mas como essa maioria não deu o devido valor às loucuras dos quadradinhos, se deparou com exército deles organizado dentro do sistema de espelhos. Fora do sistema de espelhos se organizavam com facilidade, pois eram quadradinhos e ficava fácil se encaixar uns nos outros.

Desfazer isso era difícil. Requeria que todos os monstrinhos do mundo os triangulares, os redondos, os poliedros, os sem forma definida, se unissem para acabar com a hegemonia dos quadradinhos e eles tinham muita dificuldade de se encaixar uns nos outros para mostrar como mais numerosos eram. Por isso viram seu mundo ir ficando quadrado, quadrado sem conseguir se organizar. Se tivessem se unido, mesmo que não fosse a união mais perfeita do universo monstro, mesmo que sobrassem buracos ou peças sobrepostas eles teriam se libertado muito mais rápido do mundo dos quadradinhos grosseirões, no qual não se encaixavam de jeito nenhum.

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