Deu match!


Tem uma pracinha na frente da minha casa. Depois de muitos meses sem ir lá combinamos que voltaríamos a frequentar aquele espaço com algumas condições. Iríamos em dias de semana porque tem menos gente, em horários sem movimento e que não podia ir no parquinho (ninguém me convence que um balanço de parquinho seja seguro na atualidade, sempre imagino uma criança ranhenta espirrando, limpando com a mão e segurando no balanço).

Desde então quando chega no meio da tarde eu fico, à la Janela Indiscreta sem binóculo, cuidando, se não tem gente ou se tem quase ninguém, vamos. As meninas pegam suas bicicletas, colocamos nossas máscaras e praticamente saímos para um safari. Nossa gata, Petit Gateau, costuma nos acompanhar nos passeios. Sai atrás da gente e fica nos espiando entre as árvores.

Em uma das primeiras vezes que fomos tinha uma família saindo. Todos sem máscara. O que já me fez mirá-los com maus olhos. A mãe da família olhou para minha filha menor e viu que ela usava uma máscara de Dalila (a coelhinha da turma da Mônica) e comentou com o marido “Que amor!” ele com toda a delicadeza que um negacionista sabe ter olhou e falou bem alto “Só não sei pra quê, não precisa usar máscara”. Pensei em responder algo como “Só não sei pra que cérebro, se não usa.” Mas me calei, acho que não vale o desgaste e nem quero contato com esse tipo de ser.

Mais uma idas na praça e avisto uma família como a nossa. Um casal, com dois meninos de idades parecidas com a das nossas meninas e uma avó (nós temos minha mãe que mora conosco e sempre está junto). Todos de máscara. Eles de um lado da praça e nós do outro. As vovós caminhavam sem se cruzar, quase um ballet. Os meninos também não iam no parquinho. Olhei de longe para aquela mãe trabalhada no álcool gel, com cara de que se pudesse envolvia os filhos em papel filme e só liberava um pedacinho de pele para aplicar a vacina e depois aguardaria umas duas semanas para desembrulhar os rebentos por completo e pensei: quando essa pandemia passar até seria amiga dessa gente. É uma segurança que dá no coração ver pessoas assim, uma certeza sem conversar que eles não acham que a terra é plana e nem acreditam em mamadeira de piroca. É incrível como o uso de uma máscara (uma única e pequena peça do vestuário), independente de cor ou estampa, e a maneira como as pessoas se comportam na pracinha diz tanto sobre suas posições políticas, ideológicas e culturais.

Mais uns dias passaram e de longe eu olhava aquela família “civilizada” (às vezes neura, mas quem não é?) como a nossa. Agora mais encorajados e cientes de que não somos propagadores de fake news, nos abanávamos a distância. Até que esses dias minha filha mais velha olhou para eles, que naquele dia estavam sem a avó, e me perguntou: Posso fazer um amigo a distância? Eu confirmei, mas lembrei para não ficarem próximos e lá foi ela toda animada com sua bicicleta, convidar o menino que regula de idade com ela para andar de bicicleta distantemente. Ela, comunicativa como ninguém, se apresentou e em pouco tempo nos empurrou a fazer amigos a distância também. Conversávamos longe uns dos outros, de máscara, mas conversávamos e criticávamos as pessoas que andam sem máscara e as pessoas que vem aos finais de semana na “nossa” praça e se aglomeram como se não houvesse pandemia, quando minha filha mais velha, sempre muito perspicaz, disse:

- Nossas famílias se parecem, só que vocês tem dois meninos e nós duas meninas.

Ao que a mãe dos meninos respondeu:

- Sim, e nós também temos uma vovó que mora conosco.

Deu match!

Desde então nos encontramos nos finais de tarde, as crianças brincam a distância e nós conversamos. Uma certa normalidade na anormalidade.

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