Compras na pandemia

 

Sempre gostei de ir ao supermercado, mas desde que começou a pandemia eu parei de ir. Na verdade eu gosto de ir sozinha, com calma e com dinheiro, coisas que há muito não acontecem. Pelo menos não assim, todas juntas. Nem sei se em algum momento isso realmente aconteceu ou é uma memória idealizada de um passado longínquo.

O meu novo normal (às vezes acho mais adequado chamar de constante anormal) inclui, entre minhas inúmeras atividades, fazer pedidos para supermercados do bairro onde moro. Nem um deles são grandes redes. São pequenos supermercados, com preços bons e que não cobram pela entrega. Passo minhas listas por whatsapp ou e-mail bem detalhadas com marca, quantidade, o mais preciso possível.

Nenhum dos dois estabelecimentos que utilizo tinha esse serviço antes da pandemia o que torna tudo mais interessante. A pessoa que faz as compras para mim lá, não me conhece, não tem a menor noção dos meus hábitos de consumo (a essa altura do campeonato, talvez já tenha) e da mesma maneira como eu compro tem mais outras tantas pessoas fazendo o mesmo.

O que mais gosto é que o meu rancho é quase como um kinder ovo. Quase sempre vem com uma surpresa. Algo que talvez eu não tenha me expressado direito ou que a pessoa que separou os produtos não tenha lido direito. Uma vez escrevi “pacote de pão de queijo congelado - grande”, eu queria um pacote grande, mas veio um pacote com pães de queijo do tamanho de pão francês. Em outra ocasião pedi “pacote grande de canela em pó” e teremos canela em pó para os próximos anos porque o pacote que veio tinha 500gr de Canela. Também já aconteceu de eu pedir 20 pacotinhos de sopa individual, eu queria aquelas sopas de caneca, mas veio 20 pacotes de sopa de 4 porções.

No último rancho tive duas surpresas engraçadas. Pedi “1 bom ar citrus” veio um spray de bom ar pequeno, daqueles de botar em máquina de disparo automático (eu não tenho a tal maquininha). Em contrapartida pedi “um pacote de salsicha” e veio um pacote de 3 quilos de salsicha. Teremos salsicha até o natal. O interessante é que a equação: ingestão de 3 quilos de salsicha e um bom ar pequenininho não fecha. Pensa no tanto que se faz cocô se comer 3 quilos de salsicha? Imagina a quantidade de bom ar que precisaria para enrustir o fedor?

De todo o modo as confusões sempre foram contornáveis. Os pães de queijo foram consumidos sem reclamações. A canela armazenei em potes e aos poucos usaremos tudo, porque somos uma família fã de canela. As sopas consumimos algumas, outras nós demos. O bom ar possivelmente vai acabar antes do fim do mês. As salsichas estão congeladas. Também veio errado refrigerante. Veio com açúcar e tomamos zero. Nesse caso pedi para trocar porque não teria saída aqui.

O senhor que me entrega as compras foi trocar os produtos. Quando retornou já era mais de duas horas da tarde, me pediu mil desculpas. Eu falei para ele que não tinha problema que acontece e ele, sempre de máscara, luvas e álcool sprayando em tudo, me explicou que se atrapalhou porque estava separando 3 ranchos ao mesmo tempo e tinha uma senhora com muita pressa. Eu pensei com meus botões: como tem gente chata no mundo, a mulher devia estar apurrinhando.

Agradeci a ele e disse:

- Bom trabalho!

Ele sorrindo me respondeu:

- Agora vou descansar, peguei o caminhão a meia-noite e quarenta no mercado para ir na Ceasa.
Ou seja, ele faz as compras da Ceasa, separa os ranchos e entrega. Quase passei a enxergá-lo como a Dona Coelha da Peppa Pig. Como se indispor com o funcionário de um supermercado (um dos setores que pior remunera seus colaboradores) que está fazendo suas compras em uma pandemia para que você corra menos risco? Dá pra trocar? Dá. Você usará antes de vencer? Guarde. Tanta gente não tem nem o que comer e você vai se indispor, justamente com quem talvez não tenha como comprar o que você consome, mas executa a compra para você?

Morro de medo de me tornar a senhora chata dos pedidos. Prefiro ser sacal com outras coisas (afinal, sob alguma perspectiva sempre somos). Acho bem mais interessante ser a chata com quem não usa máscara, com quem acha que está tudo bem morrer um monte de gente, com quem não valoriza o funcionário, com quem tem foco no seu lucro individual e não no desenvolvimento de um país. Sei lá, talvez, algumas grandes redes, grandes corporações, governos que priorizam a entidade “mercado”, sei lá (sei bem)…

Comentários

  1. Adorei, muiuiuito bem escrito e criativíssimo.

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  2. Acho bem mais interessante ser a chata com quem não usa máscara, com quem acha que está tudo bem morrer um monte de gente, com quem não valoriza o funcionário, com quem tem foco no seu lucro individual e não no desenvolvimento de um país. - ADOROO

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