Pandemia que segue

 

O coronavírus pegou um Brasil dividido e de forma alguma o unificou, bem pelo contrário. Definitivamente não seremos lembrados pela nação que seu uniu contra o vírus. Aliás, união por aqui atualmente só é conhecida como marca de açúcar e assim mesmo o consumidor opta pela concorrência que é mais barato. O que deveria ser questão sanitária, virou questão política. Quando o assunto é medida de proteção em relação ao vírus temos três grandes blocos com enormes olhos críticos.

De um lado estão os coronavírusplanista. Aquele pessoal todo que não acredita no vírus, ou acha que ele é só uma gripezinha. Andam sem máscara, desprezam álcool gel e quase abraçam as pessoas que nem conhecem na rua só para deixar bem clara sua posição. Dizem aos quatro ventos que apesar do suposto vírus a vida segue (estranho falar a vida segue, quando o que parece seguir é a morte). Frequentemente taxam de neuróticos aqueles que não querem convívio físico com quem não faz o distanciamento social. Sentem-se afrontados quando encontram alguém de máscara ou precisam usar máscara para entrar em um estabelecimento. Em casos extremos agem com violência caso lhes seja exigido o uso de medidas de proteção.

No outro oposto temos aqueles que seguem a risca as orientações da OMS. Não tem dúvida alguma sobre a curvatura da terra ou a existência do vírus. Fazem distanciamento social. Saem para o estritamente necessário, mesmo que seja trabalhar. Lavam suas compras minuciosamente e não querem pagar pra ver. Querem a certeza de um respirador para chamar de seu se for necessário. Por vezes são tachados de medrosos (eu pessoalmente chamaria de prudentes). Disfarçam, mas beiram o ódio quando veem um coronavírusplanista andando pelas ruas como se nada estivesse acontecendo. Às vezes só de olhar para alguém sem máscara já imaginam toda a vida daquela pessoa. Imaginam em quem votou. Imaginam suas falas de efeito. Imaginam suas crenças em fake news absurdas. Se for homem, o imaginam usando chinelos Raider e fazendo piada sem graça, preferencialmente machista ou homofóbica, nas festas de família. Muitas vezes essas suposições todas não estão tão distantes da realidade.

No meio temos os iludidos, a terceira via sanitária. Aqueles que pensam que fazem distanciamento social, mas talvez não o façam. Para eles as recomendações da OMS sempre podem estar sujeitas a múltiplas interpretações. Consideram o primeiro grupo um bando de alienados, sem noção de coletividade e o segundo um monte de gente exagerada. Esse talvez seja o maior grupo entre nós brasileiros. Afinal quem não tem aquela tia que faz distanciamento, mas não pode perder uma promoção de calcinha? Aquela vizinha que se cuida muito, mas faz compras em loja de bugiganga lotada e usa quatro máscaras, porque se uma protege, quatro, então, deve resolver todos os problemas? Ou aquele primo que se cuida muito, mas ia surtar se não jogasse o futebol com os amigos e na saída aproveitou pra visitar o avô sequelado de AVC já que estava por perto? Ou ainda aquela amiga que precisou ir no cabeleireiro ou na manicure, não tinha mais jeito (sempre me pergunto se o braço do profissional tem mais 1,5 metros)? Por outro lado, quem sabe parte dessas pessoas precisem de um pouco de contato humano para saírem sãs disso tudo, mas talvez optar por espaços abertos, máscara e distância entre as pessoas fosse mais adequado, porque não adianta ficar mentalmente são e morrer ou ainda pior, ser responsável pela morte de outras pessoas. Local fechado e espaço cheio de gente (ainda que é aberto) são um abraço no vírus e não nas pessoas amadas.

A pandemia já cansou. Já deu o que tinha que dar. Todo mundo já pode contar que passou por uma. Pena que não é assim que funciona. Pena que não é brincadeira para dizer: pronto acabou, não quero mais brincar de pandemia.

É pandemia que segue! E todos os dias ela nos convida a reflexão: necessidade real ou criada?

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