Controle seu extremista

 

Vou contar uma coisa. Não tenho religião. Nunca tive. Cresci em uma família sem religião. Nunca me fez falta. Não sei sequer rezar. Não acredito em nada extraterreno. Religião para mim funciona como obra de ficção que não me interessa. Tenho fé em pessoas (às vezes perco a fé nelas), em afetos, em conhecimento, em querer bem. Fui batizada quando já era uma adolescente bem grandinha para poder batizar uma afilhada e porque minha madrinha, um tanto carola, ficava apreensiva com uma afilhada pagã. Fui batizada na igreja anglicana, a católica exigia cursinho e eu não estava disposta a passar por isso. Fui lá e em menos de 10 minutos estávamos batizadas, eu e a afilhada. Nada mudou na minha vida. Continuei a mesma descrente de sempre.

O interessante disso é que na maioria das vezes que alguém me pergunta qual a minha religião e eu respondo que não tenho, sendo o interlocutor um pouco mais religioso, independente de qual seja a religião, surge uma cara de quem encontrou com uma pobre coitada e com aquela cara abismada vem a segunda pergunta: Mas você não acredita em nada? Respondo que não. Invariavelmente a conversa vira uma tentativa chata e sem chance de conversão/ catequização. Às vezes até me dá vontade de inventar uma religião bem bizarra, porque ter uma outra religião dá menos brecha para uma tentativa de ensinamento de alguma crença e a conversa terminaria por ali. Mas não, esse estranho hábito de ser fiel aos meus princípios me leva a responder que não tenho e vamos lá pra conversa chata.

Veja bem, não tenho problema nenhum com religiões e pessoas com suas religiões. Se me convidarem para um batizado, um casamento de alguém que gosto, provavelmente irei, não por mim, mas pelo carinho à pessoa. Nesses momentos jamais irei rezar, ou orar, ou seja lá como chamarem, primeiro porque realmente não sei rezar (nunca aprendi, acho que o hardware do meu cérebro pode ser mais bem ocupado com outras informações) e segundo porque não faço coisas eletivas nas quais não acredito. Nesses momentos sempre terá alguém para me olhar como um ET, mas tudo bem, porque como já comentei, não acredito em coisas extraterrenas. Não tenho problemas nem quando alguém diz algo como “rezo por você”, se a pessoa fica feliz rezando, ela reze pelo que bem entender. Às vezes me sinto meio mal quando me dizem “fica com deus”, porque não sei bem o que responder, normalmente não falo nado ou digo um “Oh, Falô” meio estranho.

O que eu acho interessante nisso tudo é que durante essa minha vida inteira atéia eu nunca quis descatequizar ninguém. Eu nunca olhei estranho para pessoas que rezam/oram. Eu nunca tentei arrastar ninguém pra fora de uma missa, ou culto, ou cerimônia. Eu não ter uma religião nunca me levou a ser desagradável com ninguém por causa de sua religião, nem tentar impor minhas ideias. Minha ausência de religião não me faz intolerante a quem a tem. Desde que, claro, isso não atente contra o meu direito civil, a minha não religião ou a religião e direitos dos outros.

Outra coisa interessante que me vem à mente reiteradamente nos últimos tempos, é que não vejo ateus ou agnóstico com frequência chamando uma criança de 10 anos que foi violentada de assassina, fazendo atentado a bomba a produtoras, queimando escolas indígenas, quebrando templos de religiões e etc.

Agora, talvez, você me diga “Mas nem todo mundo que tem uma religião é assim extremista”. Concordo! Mas lembre-se que eu mesmo não tendo votado no atual governo, não sendo de extrema direita, frente ao mundo (e com toda a vergonha que tenho nesse momento), ainda assim serei brasileira. Um futuro distópico como o de Margaret Atwood em “O Conto de Aia”, talvez não seja tão distópico, nem tão futuro. Controle seu extremista, antes que ele controle você.

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