Refúgios
Há uns 6 anos atrás eu e meu marido, com a ajuda da minha mãe,
compramos uma casa. Bem, na verdade, compramos uma piscina
casualmente ela em volta tinha uma casa velha, caindo aos pedaços.
Habitável, mas que sem dúvida alguma precisava de reforma. Quando
convidamos os amigos para virem aqui, nunca é com o pretexto de ver
como a nossa casa é linda, sempre convidamos pelo prazer companhia,
pelas risadas, pela boa comida, boa bebida, no verão pela piscina e
no inverno pela lareira velha.
Passados esses 6 anos, tivemos alguns progressos. Construímos para
minha mãe uma casa pequena e linda
no fundo do pátio. Na nossa casa ainda não conseguimos fazer nada
de muito significativo, além de demarcar os locais exatos na sala
que precisam de balde quando chove para que a goteira caia dentro
dele e não molhe todo o chão. Entre as coisas almejadas na sonhada
reforma está tornar a sala e a cozinha um espaço integrado,
moderno. Onde quem tá na cozinha consiga participar do que ocorre na
sala.
Enquanto sonhávamos com a reforma e fazíamos contas para
viabilizar, veio a pandemia e com ela uma mudança completa no uso e
movimento da casa. Somos uma família que realmente aderiu ao
isolamento social. Há mais de 100 dias vivemos todos nessa casa
velha sem sair. Eu e meu marido conseguimos trabalhar de casa, as
nossas duas filhas estão sem aulas desde março. As compras fazemos
a imensa maioria pela internet, as saídas são realmente raras e só
em caso de extrema necessidade. Nossas gatas, inclusive, hoje nos
odeiam, não conseguem compreender essa nossa invasão no espaço
delas.
Ficar assim, todo mundo junto pode ser bastante estressante. Talvez,
por isso, para o bom convívio, cada um de nós descobriu um refúgio.
Meu marido se esconde no escritório ou no banheiro e lá fica por um
bom tempo. Nossa filha mais velha se refugia na sua cama que é um
beliche e ninguém chega lá em cima. A mais moça às vezes a
encontramos toda fechada dentro da casinha de boneca “Condida”
como ela diz.
E eu? Bom, eu estou felizona que não fizemos a reforma e não temos
uma cozinha integrada com a sala. Eu adoro ficar “Condida” na
cozinha. A nossa cozinha é comprida e estreita, tem um azulejo verde
limão horroroso, mas é o meu refúgio. Logo no início do
isolamento social percebi que todo mundo queria comer ou beber alguma
coisa e cabia a mim fazer os mil lanches para as crianças, o almoço
e o jantar de todo mundo. No início eu achava meio chato, mas
comecei a me dar conta que quando eu aviso que vou fazer o lanche, o
almoço ou o jantar ninguém me vê dentro da cozinha e
consequentemente ninguém me chama, todo mundo só quer comer. Eu vou
pra cozinha e nem ouço “Mãe, mamãe, amooorrrr”. Claro que eu
não passo o tempo todo fazendo comida, na maioria das vezes já está
até pronto, ou é algo fácil de fazer. Mas enquanto o microondas
esquenta a comida ou a air fryer frita o que quer que seja eu to lá
quietinha ouvindo minha música, tomando meu vinho, falando com as
amigas no whats e todo o resto da casa acha que eu estou concentrada
trabalhando pela sobrevivência familiar. Às vezes meu marido se
oferece para fazer o almoço ou o jantar, eu logo salto e digo “Não,
deixa pra mim! Fica com a louça!”. Hoje mesmo avisei que ia fazer
o almoço e fui pra cozinha, botei a comida congelada no micro-ondas
e lá fiquei dançando, ouvindo Alceu Valença, tomando um vinho e
mandando selfie para as amigas com a legenda “Eles pensam que eu to
cozinhando:):):)”.
Adoraria reformar a casa, mas dada a conjuntar atual transformei a
minha cozinha feia verde limão em uma limonada e anotei mentalmente
que quando finalmente fizermos a reforma preciso de um novo
esconderijo.
hahahahaha... que maravilha!!! è sempre tão incrível essas capsulas mentais pq sempre me identifico, sempre mergulho ... AMEI!!
ResponderExcluir