Individualidade????

Há um tempo atrás minha filha mais velha tinha uma coleguinha com quem não se dava bem. Logo ela, tão amigável (palavras dela), não gostava de brincar com a menina. Eu não gosto de saber que uma criança possa estar sendo excluída do grupo, por isso sempre quando as meninas me relatam esse tipo de coisa tento entender o que está acontecendo para contornar a situação da melhor forma possível. Conversa vai, conversa vem, a história da colega sempre voltava. Ouvindo o assunto entre as próprias crianças comecei a perceber que ninguém gostava muito de brincar com a tal menina. Um dia perguntei abertamente para minha filha porque ela não gostava da colega e ela me disse que a menina não sabia brincar junto, tinha que ser tudo do jeito dela, até nas brincadeiras que tem regras já preestabelecidas a coleguinha queria impor as suas próprias regras e que ela queria sempre mandar em todo mundo. Pelo que ouvi achei a menininha um tanto, digamos, ditatorial, mas sei lá, podia ser uma percepção errada e talvez não fosse tudo isso. E se por acaso fosse tudo isso a escola e as professoras saberiam como lidar com a situação para que ela, aos poucos, fosse tendo mais noção de grupo e coletividade.
Passaram meses dessa conversa com a minha filha e um dia estava eu trocando uma ideia com a mãe da coleguinha enquanto esperávamos as crianças saírem da aula e contávamos as gracinhas e aprontações de nossas coisas queridas. Papo de mãe tentando quebrar o gelo e provar que todos são iguais, mas os seus são mais especiais e ela comenta comigo:
- Sabe, a fulaninha tem muita individualidade! Sabe o que quer. Tem personalidade forte. Eu acho bom isso para o desenvolvimento da criança, para autoestima.
Quando ouvi essa sequencia de frases, dentro da minha cabeça deve ter feito até um barulhinho dos meus neurônios fazendo a sinapse. Foi como um clique. Conectei o que tinha ouvido da mãe, com o que eu tinha ouvido da minha filha e também com o que tinha ouvido das crianças conversando entre si e entendi o que se passava ali. A família validava o comportamento da menininha e acabavam fazendo com que ela não soubesse lidar com o coletivo. Era evidente que havia uma confusão entre individualidade e egoísmo.
E o que eu disse para a mãe a partir daquele momento? Nada, porque cada um sabe dos seus filhos e aprendi com meu avô que educar o filho dos outros é muito fácil. Além do mais não sou especialista em nada comportamental, não cabia a mim dizer nada, e mesmo que fosse, aquilo não era uma consultoria era só uma conversa a toa.
Fiz cara de paisagem, dei um sorriso e fiquei pensando sobre o que ela havia me dito. Óbvio que individualidade é importante para todos os seres humanos, é o que nos torna nós mesmo, o que nos faz únicos. No entanto, estar sempre voltado só para si, botar seus interesses sempre acima de tudo e de todos, considerar que só suas regras valem está bem mais próximo do egoísmo do que da individualidade.
Enquanto tudo isso passava dentro da minha cabeça, olhava para minha filha mais moça que na época ainda era bebê e teorizava. Claro, todo mundo nasce voltado para si. Bebê maiorzinho se vê como o centro do mundo e lá pelas tantas até é, do seu próprio mundinho, mas conforme as crianças vão crescendo cabe a nós adultos responsáveis mostrar que o mundo é maior que isso, que há outras pessoas vivendo nele e para que possamos viver harmonicamente é preciso que entendamos isso. Ou seja, começamos a ensinar coletividade e empatia. Começamos a mostrar que existem regras para o bom convívio e que se não respeitarmos elas, não conseguimos progredir como um grande grupo. Algumas vezes as regras não nos afetam diretamente, mas mesmo assim precisamos segui-las para o bom andamento do todo. E o mesmo vale para as ações, é preciso ensinar que as suas atitudes afetam outras pessoas e tem consequências. O pensar no outro faz parte do que nos torna apto a viver em sociedade.
Passou um tempão que essa história aconteceu, a menininha nem é mais colega da minha filha e veio a pandemia. Às vezes quando ouço ou vejo um adulto não querendo usar máscara, podendo e não fazendo isolamento social, bradando que ninguém pode impedir seu direito de ir vir, ladrando que a economia não pode parar, dizendo que o coronavírus é só uma gripezinha que mata velho e pessoas com outras doenças preexistentes, eu me lembro da coleguinha. Será que a família da coleguinha está usando máscara, fazendo isolamento social ou está preservando a sua “individualidade”?

Comentários

  1. Pois.... e assim caminha a humanidade... que difícil e que triste vermos os comportamentos da nova geração se dirigindo para uma fase adulta, no mesmo formato que tantos adultos que hoje estão ai, atestando a falência da humanidade.

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